30 de set. de 2010

Raízes

Deixa-me perder em meus pensamentos um pouco, e me permitir sonhar quando eu sei que não deveria. Deixa-me tirar meus pés do chão e voar, mesmo quando sei que voltar ao chão me fará quebrar meus ossos, mas meu coração precisa desse vôo, minha alma precisa desse respiro, desse levitar das batidas do meu peito. Não importa o quão cinza seja a realidade quando abro minha janela, nem quantas histórias deixaram de ter o final feliz que eu gostaria, não importa quantas vezes a fé foi abalada ou os contos de fadas ficaram interrompidos com reticências e sem o viveram felizes para sempre. É quando sento e fecho meus olhos que vejo voar minha alma e minhas esperanças, é quando sinto todo o amor pelo mundo inteiro a bater com as batidas do meu coração, é quando a lembrança de olhares doces e sorrisos plenos me invadem, e sou feliz. Se é uma felicidade que jamais alcançarei na realidade dos meus dias não me importa, porque ao me permitir sonhar posso viver tudo aquilo que eu quiser. Não importa o quanto seja difícil, eu enxergo minhas fraquezas e covardias, enxergo meus medos e vejo tudo que tanto me custa. Mas não me custa nada, absolutamente nada sonhar e inventar na minha cabeça as histórias e finais que eu bem entender. Não me importa nada, nada, nada se eu em meu pensamento sou capaz de voar e chegar aonde eu bem entender. Se eu fosse mais racional, eu saberia que não poderia deixar-me levar. Se eu fosse mais racional, perceberia que sem quem olhasse por mim, posso me perder em qualquer esquina ou em qualquer situação, posso acabar sentada em uma calçada qualquer esperando por algum milagre ou por alguma doação, posso acabar de qualquer maneira, porque nunca fui boa em tomar conta de mim mesma, nunca me importei muito com isso, nem sei mais lidar com as coisas que antes eu sabia. Eu já soube ser suficientemente dura e fria, já soube viver entre leões e defender com os dentes meus pedaços de carne, já soube passar por cima de conceitos e lidar com um mundo selvagem, soube o suficiente para saber que não me importo mais. E eu sei que se não houver quem olhe por mim, as coisas podem realmente acabar mal, mas também pode ser que eu encontre alguma forma de equilíbrio em tudo isso. Eu não sei viver sem ouvir meu coração, e essa é a minha verdade. Eu não sei viver sem ouvir cada sussurro e cada batida do meu peito, e minha verdade pura e simples é essa. Foi difícil perceber que eu era alguém para agradar aos outros e não eu mesma, foi difícil reconhecer que é mais fácil ser alguém para ser aceita do que ser quem realmente se é, e não tenho intenção alguma de dar passos para trás tendo chegado aonde eu cheguei. E por melhor que seja qualquer coisa, há a verdade e essa não é negociável. Uma teimosia, uma certeza e uma convicção. Sim, eu reconheço que os dias são mais fáceis aqui. Reconheço que a vida aqui está pronta, e que tudo é muito mais simples, reconheço e também reconheço que não me sinto mais como eu me senti um dia, quando tudo isso já foi parte de mim. Não é mais. Talvez um dia pudesse voltar a ser, mas eu olhei através da fechadura uma outra vida, uma outra possibilidade, e deu vontade de experimentar... uma tolice, talvez, como uma criança que deseja experimentar um pirulito quando tem uma bala na boca... talvez... eu me questionei demais, e me perdi demais em questões que acabaram por me levar a raiz de mim mesma, quando consegui voltar ao que era minha vida, ao que era a essência de mim. E tantos caminhos percorridos por mais tenebrosos, fáceis ou difíceis que tenham sido me fizeram ver e perceber as coisas de uma outra forma. Não sou mais a pessoa que eu era, e de uma certa maneira, sou mais a pessoa que sempre fui. Não é uma ilusão ou um sonho, é uma vontade de simplesmente ser, e ser aqui é difícil, é quase impossível, porque existem paredes a minha volta, existe uma jaula de grades invisíveis. Talvez essa jaula exista só dentro da minha imaginação, mas está ali. E aqui não sou eu, sou uma coisa feita para agradar e não machucar, não ofender, aqui sou uma invenção de mim mesma e não eu. E ao olhar nos olhos das pessoas percebi que as pessoas não sabem mais quem eu sou, e que nem eu sei mais como devo ser. Queria conseguir acreditar que existe uma alternativa intermediária e que assim todos os problemas teriam uma solução, mas aprendi a ver as coisas com as sombras que elas tem, e não dá para achar que tudo é lindo e pleno e que não existem altos e baixos. Existem. E sim, eu sei que fico olhando para os lados pensando aonde posso então fixar meu olhar para encontrar o apoio que eu gostaria, e me encostar aonde pode existir alguma sustentação, mas de repente eu me percebo fazendo isso, tentando fazer isso, e não quero mais, não faço mais, não quero acomodação. Achei que faria, e não faço. Percebo que sou capaz de não fazer. Percebo que as coisas são realmente boas por aqui, e também que não sou eu, estou vazia de mim.

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