27 de mar. de 2017

Texugo


Ia para casa, mas se eu fosse então eu ia pensar...
Observei a chuva para tentar inventar um roteiro.
Algo, qualquer coisa para me impedir de sonhar...
A cabeça não parava, perdi-me em um candeeiro.


A chuva lembra água, que me leva então para uma barragem;
O sol lembra luz, que me traz na mente uma estrela cadente...
Tudo me transporta! De nada vale roteiro, mudo de abordagem;
Para desviar o pensamento só mesmo se tivesse dor de dente...!


Inventei mil e uma coisas para tentar me entreter,
Para evitar a qualquer custo chegar perto do virtual
Sei lá eu no futuro o quê é que vai vir a acontecer...
Sei é que guardarei em mim e comigo "o" Portal. (Portel)

14 de mar. de 2017

Loucura

Encosto-me ao batente da porta, a olhar para os pássaros, os cães e as laranjeiras sem ver coisa alguma.
Sinto-me como se estivesse à janela, e o que vejo cá dentro como se fosse “lá fora” é uma vida que me encanta. Que me fascina. Que me trás lembranças de uma felicidade simples que os anos deixaram empoeirada nas prateleiras das recordações.
Uma ternura doce e esforçada, batalhada dia-a-dia com a força de um coração puro que me desarma dos meus frágeis sonhos e das ilusões.
Olho como se olhasse através da janela (que não há), e não seguro o anseio de pertencer à paisagem que não é aquela que tenho à frente, apenas à janela (que imagino).

Mas se por acaso, olho-te a ti... ai! Que até as laranjeiras perdem a cor, e silenciam os pássaros...

13 de mar. de 2017

Tubarões

Estar onde é fácil se estar, sem pensar que aquilo pode levar à algum lugar,
Guardando no entanto em algum recanto a esperança de que possa...
Como provocar com cheiro de sangue fresco um mar onde se pensa (sem certezas)
Não existirem tubarões.
Provocar por quê? Eles podem acabar por surgir...
E surgem.
E embora seja emocionante descobrir que afinal existiam,
Fazer o quê com as mãos agora ensanguentadas?
A satisfação de encontrar aquilo que em silêncio se buscava,
E a dúvida do que fazer então à seguir.
E a natureza selvagem em mim não se contenta em observar as barbatanas,
Quer jogar-se à água! Quer nadar com eles, quer ver se de facto abrem a boca!
Vê as realidades tão distintas que já foram experimentadas e pensa (louca):
Nunca vivi ainda no fundo do mar! Nunca nadei com tubarões! Será que consigo?
E o lado racional argumenta... pensa... reflete e olha nos olhos do tubarão (do qual só se vê a barbatana) – e alimenta e desperta... oh raio da empatia!
Vê-se então também como um tubarão...
Sem as nadadeiras, sem o corpo cartilaginoso e sem a competência de nadar feito tubarão (oh raios, nem sequer brânquias eu tenho) – será que consigo?
E reflete mais... (e pior)
Eu poderia ser um tubarão... quem foi que disse que não posso?
Poderia aprender a ser um tubarão...
Então olho para as mãos ensanguentadas que chamaram os tubarões...
Olho para as barbatanas ao meu redor...
É, eu adoraria ser um tubarão. Adoraria mesmo...
E partilhar dos nados, dos saltos, dos intintos...
Seria mesmo tão bom. Viver um pouquinho dessa vida de tubarão.
Mas percebo (à tempo?): Não sou um tubarão.
Triste, a despedir-me do sonho (tão bom!) de ser tubarão, pego em água, e lavo minhas mãos.

Entretanto e já com as mãos limpas, fica a pergunta... não teria eu alguma responsabilidade por ter acordado os tubarões? O quão justo é sair “ilesa”? São eles tubarões... sou eu pessoa. A natureza deles é o instinto, a alimentação. A natureza minha... é apenas acreditar... e provocar tubarões?

Hábitos

Não faz assim tanto tempo, eu não conduzia. Tambem não faz assim tanto tempo, havia muita coisa que eu não fazia.
De uns anos pra cá, talvez eu pudesse dizer que minha vida mudou. Mas seria um erro, fui eu a mudar a minha vida e o passado que acabou.
A verdade é que no percurso, cometi um engano brutal. Mudei os contextos e tudo ao redor, até gostos, mas não os velhos hábitos - erro fatal.
Hábitos nos fazem ser quem somos e nos leva para onde estamos. Podemos mudar de sítio, e de realidade, mas somos de facto o hábito que em nós, plantamos.
Toda mudança por mais impossível que pareça é possível de criar. Qualquer lugar ou verdade que se queira inventar. Mais difícil são os hábitos de se conseguir modificar.
À minha volta, tudo agora pode ser completamente diferente. Mas minha verdade é a mesma, assim como eu sou, uma vez que meus hábitos não andaram para frente.

Assim, torna-se clara a profunda realidade... Nenhum passo teria sido necessário caminhar, se eu soubesse antes desta simples verdade: Basta apenas mudar de hábitos, antes que seja tarde!

12 de mar. de 2017

Dois Lados

Ando por essa ponte, tão alta e tão estreita que balança para a direita, balança para a esquerda, estremece, ameaça mas não cai nem tão pouco se equilibra.
Essa ponte que me divide, que me corta e me separa pelo meio. Uma metade terra, a outra metade ar. Uma metade terrena, a outra metade luz. E o coração por inteiro em cada uma das metades.
O amor do espírito e o amor da luz. E não, não me digam que se trata do mesmo amor. Pois não é. Não é e nem é ao menos parecido. São mais opostos do que semelhantes.
Em comum muitas coisas, desde que não se trate de escolhas – apenas de sentimento.
Pois em comum está o desejo do bem, a intenção de saber o coração amado, feliz. E apenas isso, pois de resto se conflitam, se atormentam. O amor do espírito gosta da proximidade, do abrigo, do conforto na alma. O amor da luz não vê distância, nem sequer se importa com a existência ou ausência de tempo e espaço. Nem mesmo considera essas coisas – elas não existem. O amor do espírito busca, procura crescer, amadurecer, auxiliar. É ativo e entusiasta. O amor da luz é passivo, transcende por osmose, é como a luz refletida por um lago – o movimento pode ou não existir nas águas, a luminosidade não se altera.
E essa ponte, essa trilha é estreita, é de extremos, é incerta. Não há desvio errado ou ruim, não há escolha mal feita. Mas há escolha.
E as escolhas envolvem ganhos, envolvem perdas. E envolve amor. Tudo envolve amor.
Qual é o amor mais forte? Qual é o amor mais certo?
Mas há talvez o amor mais desapegado, o mais calmo, o mais humilde. O amor da compreensão e abnegação, o amor imutável, inatingível, a chama que arde para sempre.
Talvez nem seja nada disso. Talvez não existam diferentes amores, talvez a única coisa que os diferencie seja o foco – e o sentimento seja o mesmo.
Pode sim haver o foco talvez no espírito, talvez na luz, talvez num anseio ou em um desejo. Mas quem sabe sejam apenas os focos...
Focar em uma paixão, focar em um trabalho, em uma ambição... o foco, embora o sentimento seja o mesmo. O puro, o poderoso amor.
E nossas histórias, nossas experiências, nossos medos e nossas dores sejam a lente de nossos focos. E não poderão haver focos errados, mas sim em seu lugar mágoas profundas... como alterar a lente para obter diferente imagem? A imagem não muda... mudam os nossos olhos.
E então, no fundo de tudo, o amor. Pura e unicamente o amor. O amor que desfocado causa as guerras, as ofensas, as injúrias. As traições, as violências, as torturas. Tudo apenas amor. Amor para defender a ferida inflamada, para proteger as esperanças dilaceradas e as perdas ao menos suportáveis. As eternas procuras por justificativas, desculpas para agir conforme o foco do nosso amor...
E assim minha ponte desaba, não oscila, experimenta balançar de forma mais lenta e contida, experimentando o ligeiro movimento. Estremece e para, avaliando se afinal deixaram de existir as metades esquerda e direita. Parece que fundiram-se, encontraram a forma de as unir.
Podemos nos tornar caleidoscópios, cristais... reflexos de um único sentimento capaz de transbordar em todas as direções.

7 de mar. de 2017

O tempo não me engana, não!

Crescer é uma mentira, a maior mentira que já nos contaram. Quando olho no espelho, os cabelos brancos são uma mentira, mais mentirosos ainda do que a madeixa azul que pintei com tinta.
O tamanho que eu tenho, as roupas que eu visto e os sapatos que calço são igualmente mentirosos, mais verdadeiro são os cachos que já não tenho e os meus dentes de leite que já caíram.
Verdade é o que vejo quando fecho os olhos e consigo ver minhas irmãs pequenas, rindo. Ou o Pedrinho e o Caio a jogar bola no corredor de casa, uma casa que já não existe mas que é mais real do que qualquer casa em que eu entre.
Verdade é quando fecho os olhos e estou no colo da minha mãe, ou no abraço do meu pai. O resto são mentiras que nos contaram.
Crescer é uma mentira. Sofrer é uma mentira. A única verdade é o sentimento que nos invade quando nos lembramos.
Tudo passa, absolutamente tudo. E só a verdade permanece, sempre. E é esta a verdade que guardo, que faz de mim quem sou e que habita em mim.
Verdade é conseguir ver minha mãe como criança, de vestidinho branco e fita no cabelo com o coração cheio de luz. Verdade é ver meu pai rindo e brincando espalhando alegria por todos os lados.
O resto são ilusões que nos disfarçam e amordaçam, coisas tolas que o tempo tenta nos convencer a acreditar.

Verdade são os abraços que nunca se desfizeram e os olhares que nunca se deixaram de olhar.