31 de dez. de 2020

2020


 

2020…  que ano! Tudo virou um pouco do avesso, estagnou, parou e nos fez parar. Uma necessidade de adaptação e de reinvenção própria generalizada, de pessoas à empresas, de indivíduos à comunidades inteiras. Reinventar, fortalecer, sobreviver e ultrapassar. 2020, que ano!

E que privilégio imenso fazer parte dele, viver toda essa mudança, fazer parte dela!

Que lição impressionante e incrível o aprender a abster-se, a lutar e ao mesmo tempo, resignar-se, o desenvolver a capacidade de criar e ao mesmo tempo, fortalecer-se.

Claro que ainda é cedo, muito cedo para ver e sentir tudo que 2020 trouxe. Tudo tão custoso e difícil, dolorido, sofrido… sem falar nas perdas imensas e sem retorno, de pessoas, de saúde, de conquistas… Sem dúvida muito se perdeu durante todo este processo, que em 2020, começou. Não nos enganemos, 2020 nos ensinou em meio a outras coisas que claramente já não podemos mais desviar os olhos na esperança que as dificuldades passem, se alguém ainda pensa que sim… devia pensar novamente. Mesmo.

Não nos enganemos, pois. De olhos abertos e consciência desperta, há que saber: 2020 foi o início do processo. Foi a curva na estrada a indicar que o caminho é distinto, que a estrada é outra e que há imensas curvas, túneis, pontes perigosas e ladeiras íngremes e angulosas – mas que leva ao destino que importa. Que leva (e obriga) à interiorizar-se, a encarar as escolhas próprias, a assumir as consequências e a reconhecer que somos nós, única e exclusivamente nós, os “culpados” ou os “heróis” de nossa própria história – e que não podemos ter resultados melhores se não escolhemos fazê-los e construí-los nós mesmos.

Talvez, muito em breve, comecem a surgir outras perceções, como que por exemplo, não basta culpabilizar o governo ou o mundo sobre isto ou aquilo, se não formos nós, individualmente, a escolher diferente. Talvez, também muito em breve, se descubra que embora com muito custo e esforço, podemos alterar completamente o rumo de nossa própria vida e nos descobrirmos a viver de forma muito mais simples e imensamente mais feliz. Talvez, muito mas mesmo muito em breve, se saiba que a maior conquista, a maior satisfação e a felicidade plena estão juntas no mesmo lugar e dependem muito mais daquilo que de bom oferecemos, do que daquilo que queremos ou esperamos receber. Talvez… talvez seja mesmo já, já que 2021 está mesmo a chegar.

Feliz 2021!

11 de out. de 2020

A Casa Vazia

 



1 - Ainda demoras muito por aqui? É que assim não consigo fechar a porta…


2 - Eu gosto da casa vazia, por isso me demoro. Gosto da casa vazia porque preciso gostar, como precisar de precisão e de necessidade, senão dever.


1 – És estranha. Porque alguém gostaria de uma casa vazia?


2 – É por causa do amor que eu guardo. O amor que eu tenho precisa da casa vazia, do silêncio das vozes e do barulho dos pássaros, precisa das janelas abertas e do vento frio a arejar os espaços, do chão sem mobília e das paredes desertas e das portas trancadas com chave, que não deixam ninguém entrar.


1 – (…)


2 - O amor que eu tenho é denso e é pesado, é tão forte que carrega e levanta qualquer peso e qualquer espaço, qualquer dor e qualquer escuridão, é em si mesmo, uma brutalidade, uma violência, um furacão. Exige tanto, absorve tanto, dá tanto e faz tanto, que não cabe em si e nem no outro, é um buraco negro que alimenta-se de si mesmo e mais denso, mais forte, mais infinito em si mesmo, fica…


1 – E chamas isso amor?


2 – Chamo a isso a única forma de amor e de sentir que conheço… Mas eu sei que não cabe em lado nenhum, eu sei que não é aceito, eu sei que é intenso “demais”, mas é assim.


1 – E amas?


2 – Ora, não vês que não se pode? É por isso que eu gosto da casa vazia… por causa do amor que guardo. Aqui, na casa vazia, ele “cabe”.

22 de set. de 2020

26.09

Não vai dar para dar os parabéns, nem para desejar felicidades.
Há quem diga que é muito importante ligar, deixar recado, escrever... Há quem diga que é muito importante "dizer"...
Não concordo. Mais importante que dizer, é sentir. É ser. É fazer. É estar.
Há quem diga sem sentir, há quem sinta sem dizer...
E quantas razões podem haver para não dizer! Quantas! Tantas...
E eu que gostava das palavras, não mais as tenho... perderam o sentido, perderam o por quê... afinal, para quê?
Então só sinto, não é preciso dizer. Nem mais nada... porque nem sempre é possível fazer, realizar, viver. Às vezes há que calar, resignar, conformar, esquecer.
Mas acredito que tudo que se vive fica continuamente a acontecer, quem sabe talvez em um universo paralelo ou em alguma outra dimensão de realidade, há ainda uma repetição, um momento tão eterno que faz ser infinito o instante de um segundo.
E sim, há segundos que são eternos... que tornam-se eternos, mesmo depois que passam, porque não passam.
E sempre se pode voltar no tempo de olhos fechados e visitá-los. Porque é o que há, quando já não pode haver mais nada.
E muita gente já partiu, muita gente já foi, muito tempo já passou no intervalo de um minuto, muita dor que não se curou, muito amor que acabou, muito sonho que sobrou.
Mas alguns momentos são estáticos, eternos, imutáveis.
Algumas pessoas são marcos, são espadas, são palácios. São amor e são tortura, são paraísos e são pesadelos...
Algumas coisas apenas são... dentro daquilo que podem ser.
E nem é preciso dizer...
Porque afinal, mais importante que dizer, é sentir. É ser. É fazer. É estar. Há quem diga sem sentir, há quem sinta sem dizer...
E há quem diga antes, mesmo antes, sem sequer dizer... para na altura, já ter dito sem dizer e fingir esquecimento daquilo que já não se pode dizer... nem se pode mais sentir, e nem nunca se pôde.

5 de ago. de 2020

Mar

Acho que eu nunca tinha escutado o barulho do mar até ontem. Ou melhor... tenho certeza.
Eu nunca tinha escutado o som do mar até ontem... não com todos os meus sentidos.
Precisei esquecer o que eu sabia sobre escutar, para conseguir ouvir. Ou melhor... precisei esquecer tudo que eu sabia, sobre tudo.
E foi sem querer, sem perceber, sem dar por mim que percebi que aquilo que eu estava a ouvir era o barulho do mar. Não, não foi bem assim. Aquilo que eu estava a ouvir com a pele, era o barulho do mar. Aquilo que eu estava a ouvir com os olhos, era o barulho do mar. Aquilo que eu estava a ouvir com o meu olfato, era o barulho do mar. Assim é que foi. Aquilo que eu estava a ouvir a pulsar no meu corpo, era o barulho do mar.
E só pude ouvir porque eu tinha os ouvidos tapados, impedidos de escutar... porque só escutavam o que meus olhos viam, o que meu olfato sentia, o que minha boca provava, o que minha pele sentia.
Assim, como agora... agora que eu me lembro do barulho do mar de ontem. Como eu me lembro da luz da lua. Como eu me lembro de mim. Era ontem e era 30 anos atrás. Era ontem e era a menina ao pé das escadas ainda na escola. Era ontem e era tudo que eu precisava esquecer, para conseguir me lembrar de quem sou... e finalmente, conseguir escutar o barulho do mar.