11 de out. de 2020

A Casa Vazia

 



1 - Ainda demoras muito por aqui? É que assim não consigo fechar a porta…


2 - Eu gosto da casa vazia, por isso me demoro. Gosto da casa vazia porque preciso gostar, como precisar de precisão e de necessidade, senão dever.


1 – És estranha. Porque alguém gostaria de uma casa vazia?


2 – É por causa do amor que eu guardo. O amor que eu tenho precisa da casa vazia, do silêncio das vozes e do barulho dos pássaros, precisa das janelas abertas e do vento frio a arejar os espaços, do chão sem mobília e das paredes desertas e das portas trancadas com chave, que não deixam ninguém entrar.


1 – (…)


2 - O amor que eu tenho é denso e é pesado, é tão forte que carrega e levanta qualquer peso e qualquer espaço, qualquer dor e qualquer escuridão, é em si mesmo, uma brutalidade, uma violência, um furacão. Exige tanto, absorve tanto, dá tanto e faz tanto, que não cabe em si e nem no outro, é um buraco negro que alimenta-se de si mesmo e mais denso, mais forte, mais infinito em si mesmo, fica…


1 – E chamas isso amor?


2 – Chamo a isso a única forma de amor e de sentir que conheço… Mas eu sei que não cabe em lado nenhum, eu sei que não é aceito, eu sei que é intenso “demais”, mas é assim.


1 – E amas?


2 – Ora, não vês que não se pode? É por isso que eu gosto da casa vazia… por causa do amor que guardo. Aqui, na casa vazia, ele “cabe”.