15 de ago. de 2011

Temporal

Temporal

Aceitar o estado final de uma vida
Onde ao pó retorna os dias já vividos
O ciclo final da estrada percorrida
O término dos anos e dias já lá idos.

Observo do espelho o reflexo
Não vejo a mim, só a uma história
Um trajeto pouco complexo
Do que se recorda minha memória.

Sou a filha de minha mãe, filha de meu pai
Sou irmã dos meus irmãos,
Não os vejo não sei quanto tempo já lá se vai
Sou a sobra de meus pensamentos sãos.

Neta dos meus avós, nascida em minha terra
Sou o destino nas linhas das minhas mãos
Sou minha paz em meus tempos de guerra
Sou meus “sims” e meus “se-nãos”.

Sou pó em uma forma temporária,
Vou talvez ser lembrança um dia,
Frágil mas não temerária,
Sou o calor da minha futura cova fria.

14 de ago. de 2011

Vida e Morte

Ela queria de uma só vez dizer tudo que lhe ia no pensamento, no coração. Tantas emoções e reflexões haviam sido feitas que a profusão de palavras acabava por se tornar desconexa, era cada vez mais difícil de se fazer compreender. Desistiu.

Sentou-se com calma, chegando a conclusão que havia de encontrar maneira de demonstrar o que as palavras já não mais conseguiam traduzir. Ainda na postura tensa e firme que a cadeira dura de madeira exigia, estendeu para frente os seus braços, curvando suas costas até que suas mãos tocaram o assoalho do chão. Apoiou-se nos braços estendidos e rastejou para fora da cadeira, andando de gatas como se fosse animal, permanecendo com o rosto baixo sem tirar os olhos do chão que percorria.

Arrastou-se para o lado de fora da sala, descendo ainda de gatas os degraus que davam para o jardim descuidado, tocando com os dedos a terra ainda úmida do orvalho da manhã. Ao andar um pouco mais a frente, parou como se houvesse chegado a algum lugar, estendeu os braços erguidos sobre os quais ainda se apoiava como um animal a se espreguiçar, abrindo os dedos das mãos de forma que a terra os engolisse e as mãos se fossem enterrando num silêncio de contato e carícia.

Abaixou o rosto até que sua fronte tocasse a terra e as raízes escassas das moitas ainda sobreviventes manchando assim a pele clara de um misto de castanho e espinhos esverdeados. Virou com leveza o rosto como um gato que se enrosca para um afago, entregando o calor da sua face para a frieza do chão quase morto.

Esticou as pernas lentamente, uma e depois a outra, enquanto descalçava-se e fazia com que os dedos dos pés cavassem a terra e submergissem dentro dela. Deixou-se ficar estendida no chão como um cadáver pulsante, entregando seu calor e vida para a terra moribunda e gelada, enquanto com a suavidade de sua pele entregava carícias, promessas e afetos com a textura e cheiro da terra úmida e os milhares de organismos invisíveis dentro dela.

Entreabriu suavemente os lábios, entregou seus gemidos, seus suspiros e sua alma àquele pedaço de solo, na esperança de que talvez assim, o que suas palavras jamais conseguiram dizer sua atitude talvez o conseguisse.

Entregou sua vida ao chão, que recebeu imóvel e em absoluto e completo silêncio seu último suspiro, o último sopro de intensidade da vida que ali se esvaiu.

5 de ago. de 2011

Reverso

Eu não quero ver a vida passar

Sou tantas e mais tantas que mal posso contar

Carrego aqui dentro todo o universo

Um sonho num sono controverso

Carrego quem sou e quem queria ser

Aquela a quem eu deveria ir buscar

O saber do conhecimento perverso

A consciência que lenta vem amadurecer

Quem antes queria apenas acreditar

Na verdade e não em seu reverso.

4 de ago. de 2011

Presente

Olha só, eu não falei das rosas e como pode ser isso? Não falei das pétalas gigantescas que se abrem sem alarde, nem das gotas pequeninas de orvalho que ficam a tremular no vermelho intenso a refletir todas as cores e raios do sol que nasce em silêncio.

Nem falei do canto dos passarinhos, que tanto se fazem presentes em todo e qualquer dia, seja um dia bom ou menos feliz.

Não que eu tenha me esquecido de dizer tudo isso, pois claro que tal esquecimento não existe, mas talvez meus olhos tenham se virado noutra direção.

Não falei das cores do céu quando o sol resolve ir descansar, e nem das águas cristalinas que correm um passeio sem pressa para encontrar o mar. Mesmo o mar, como posso não ter dito nada sobre esse universo azul tão profundo, a casa de tantas almas e tantos corações? Acredito que as vidas não vividas encontram no mar seu repouso e esperança.

Mas não falei eu sobre nada disso, não é mesmo? Como se minha voz tivesse se voltado para dentro e calado em meu peito todas as minhas visões e verdades. Não contei sobre a alegria de animais brincando no tapete verde dos gramados, ou sobre a eternidade que se enxerga ao olhar para as árvores antigas e suas folhas ao chão...

Sem falar nada disso, como posso ter pensado que era eu capaz de dizer algo de valor? Ou importante?

Deixa-me ficar sobre a terra e ficar com meus pés dentro dágua, deixa-me olhar o céu e ver as nuvens passarem, que o agora é para sempre e também eu um dia vou passar, mas o agora passa nunca.