8 de set. de 2012

Conchas




Já faz muito tempo que ganhei o hábito de em alguns lugares e situações, colher folhas, pedras ou conchas. A vida não me permite ter comigo todas as folhas, pedras ou conchas que colhi, mas embora eu nem sempre consiga guardar na memória os rostos e nomes de muita gente, consigo facilmente me lembrar de cada folha, de cada pedra e de cada concha que peguei.

Talvez esse hábito tenha começado quando eu era ainda pequena, quando esperava para ver as flores amarelas na entrada do pomar floresceram para apanhar uma, e quando não haviam flores, tinha que me dar por satisfeita com uma folha – e uma folha daquela árvore representava a esperança e a promessa de que no futuro haveriam flores para apanhar.

Hoje, um grande amigo partiu. E ao saber da sua partida, me lembrei de algumas pedras que vi na vida, próximas ao mar. Não me lembrei das pedras que apanhei, mas das que vi e decidi deixar na areia. Nem tudo conseguimos apanhar ou carregar conosco, nem tudo precisa estar sob a nossa “posse” para ser nosso. O que é realmente “nosso” habita em um lugar lá dentro de nós, não se toca com as mãos, não é preciso. Nos pertence porque pertence ao nosso coração.

Eddinho foi-se embora do alcance das minhas mãos, mas não está distante do meu afeto. Vive, vive!

Vive nos corações daqueles que o conheceram, onde viverá sempre. Viverá no meu coração junto com outros que lá vivem e viverão sempre, junto com lembranças e memórias, em um lugar onde não se precisa apanhar conchas e pedras para que estas nos pertençam.

6 de set. de 2012

Comboio



Quantos passageiros tiveram antes medo dessa viagem eu não sei, nem sei quem possa conhecer essa resposta. Talvez todos tenham sentido medo, uns demonstrado mais ou menos que outros, uns tenham tido mais ou menos consciência do medo que outros... não sei.

Existem algumas paragens desse comboio que me fazem lembrar do meu próprio medo, alguma inquietação que se agita lá no fundo, meus olhos que percorrem com pressa a janela um tanto embaçada a procura de perceber a paisagem que se abre lá fora, a procura de reconhecer algum lugar, algum rosto, perceber algo na paisagem da paragem que traga algum conforto. Mas logo o comboio acelera ganhando novamente os trilhos, e as paisagens passam de forma aparentemente natural, quase que automaticamente, até que nova paragem se apresente e exija a consciência do olhar e do observar.

Estando o combio em movimento, fica fácil o não pensar e o simplesmente deixar as paisagens virem e irem, deixar a imaginação solta, o olhar perdido e a sonolência do se deixar guiar tomar conta do que antes parecia inquietação ou receio. Afinal, estando o comboio em movimento, não havendo a pressa de saltar em nenhuma paragem, o que importa qual será a paragem a seguir, ou quem sabe a paragem final?

O presente do se deixar guiar e do desconhecer o que virá a seguir, funciona quase como a bênção de tudo aquilo que se ignora, que se pode ou que se consegue ignorar.

Não sei de todos aqueles que se encontram no comboio quantos reparam e sentem passar todas essas paragens, algumas mais ensolaradas que outras, umas mais quentes, outras mais frias. Umas cheias de cor e de vida, outras cinzentas, outras ainda com um ar de deserto e de secura extrema. O se permitir continuar permite que nenhum deserto dure por muito tempo, assim como nenhum oásis se faça permanente.

Não sei quantos passageiros se perguntam (assim como eu) não sobre a próxima paragem, mas sobre tudo aquilo que se desconhece da paragem em que se está. Não acredito que nosso olhar humano (mundano, tão contaminado) consiga captar tudo que se pode esconder atrás de um vidro um tanto sujo ou embaçado pelo nosso próprio olhar, pelo próprio ar que respiramos sobre a janela na expectativa de enxergar.

Não sei quantos passageiros já estiveram ou estarão nesse comboio, ou quantos passaram por esses mesmos trilhos, mas tenho a sensação de que haverá uma paragem onde todos hão de se encontrar. Cada um terá tido suas próprias impressões dos lugares pelos quais passou o comboio, as paisagens que viram. Uns gostarão mais de paragens mais tranquilas, outros talvez terão gostado mais das montanhas ou dos oceanos, das serras, dos campos ou das grandes construções e maquinarias que engenhamos durante a viagem.

A viagem, afinal, de pouco ou quem sabe até de nada importa se comparada com as impressões que vamos ao longo do caminho construindo dentro de nós e nos deixamos compartilhar. O nascer do sol ou o anoitecer tornam-se mais mágicos quando conseguimos compartilhá-los, ainda que através das palavras que usamos para descrevê-los... e as imagens que vimos, outros não terão visto, mas terão descrições para criarem na imaginação quem sabe até o nascer do sol ou anoitecer ainda mais bonito do que aquele que de fato foi visto.

Sabores




Eu não gosto de caracóis. Gosto sim de caracóis nos jardins, carregando sobre as costas suas próprias casinhas, remexendo o que parecem ser antenas a procura de alguma coisa qualquer. Acho que jardins com caracóis são como jardins com joaninhas – possuem um encanto que jardins sem eles não tem. Mas não gosto de comer caracóis. Tudo bem que posso afirmar isso agora, porque mais de uma vez já experimentei. Tem lugares que fazem um molho até interessante, e que com pão o molho fica até que muito bom, mas caracóis... eu realmente não gosto de comer caracóis.

Acho muito bom que tenha por aqui tanta gente que gosta, assim ampliam-se os horizontes dos paladares e os gostos diferentes abrem novas possibilidades.

Mas gosto muito de farofa com banana, e tenho muita pena que isso não se encontre por aqui. Tambem não percebo porque todo mundo diz que feijão brasileiro é feijão preto. Pelo menos para mim, nunca foi. Precisa ser aquele feijão castanho, com calda grossa, alho e um toquinho de louro.

Acho muito bem que as pessoas procurem sabores diferentes umas das outras. Acho também que seria ainda melhor se essa busca se expandisse para outros pormenores (e maiores) da vida. Eu não vejo graça nenhuma em uma Ferrari por exemplo. Será que todo o mundo vê? Gosto mais dos carros pequenininhos, até o que por aqui é conhecido por “mata-velhos”. Não que o nome se dê por serem carros potentes e de grande velocidade que facilmente atropelam por aí os pobres dos velhinhos, não é nada disso... antes, pelo contrário. É o tipo de carro que os próprios velhinhos conduzem, com apenas 3 rodas e que em uma curva, tombam com alguma facilidade... 

Acho difícil que todas as pessoas gostem de caviar (uma boa omelete com salsa, cebolinha e etc. parece-me muito melhor!), assim como acho difícil que todo mundo goste de um carro x, de uma marca y ou de um estilo z.

Sabores... não penso que é só o nosso paladar que pode aprimorar e conhecer sabores... temos lá dentro um gosto próprio, uma opinião, algo que nos encanta, fascina... não só para o paladar, penso eu. Deveria ser assim para tudo. Para o que são gostos, para o que são gestos, para o que são coisas, para o que são mais do que simples coisas... 

Talvez o que esteja faltando mais seja o experimentar...

No caso dos caracóis, experimentei pelo menos umas três vezes, de jeitos e em lugares diferentes... e de fato... eu não gosto de caracóis. Mas adoro farofa com banana!