18 de fev. de 2017

Uma casinha no meio de lugar nenhum

Que venha a vida. Que venha o pulsar do coração nas veias, o arrepio nos poros, o sorrir na alma. Que venham as cores, que o vento sopre para longe o que era cinza e faça com que brilhe o sol.
Que eu saiba, dentro de tudo aquilo que não sei, deixar abertas as janelas e deixar que o calor me chegue à pele.
Descalçar os sapatos, despir os casacos, soltar os cabelos e tirar dos dedos os anéis e do espírito as correntes.
Esquecer-me do relógio, do telemóvel, do computador e dos afazeres que o mundo achou que deviam ser meus.
Ajoelhar-me na terra úmida e ouvir os pássaros que nunca deixaram de cantar, mesmo quando eu não os ouvia. Curvar-me até ter a testa no chão, afundar os dedos na terra como se para sorver toda a energia que me esqueci de sentir.
Permitir que a brisa sobre mim seja um beijo, e que a natureza seja o abraço que não senti. Esquecer-me de tudo que já não sou e deixar-me ser quem me tornei.
Aceitar o que me chegar, deixar ir o que não veio. Não lamentar pelo que não foi ou que não pôde ser.
Reconhecer que ninguém me rasgou o peito para além de mim mesma, e o rasgo que fiz foi o que me permitiu brotar. Tornar-me a semente que antes adormecia cá dentro, e elevar o broto que criei. Que se tornem folhas os meus dedos e minhas mãos. Que se torne tronco e árvore o resto de mim.
Em pé, entre as amendoeiras e pinheiros que eu seja o vento que me sopra, a luz entre o entardecer e o anoitecer que tinge com tons de rosa e de azul a página em branco que ainda não escrevi.

Solto os restos que poderiam haver presos e contidos, liberto a mente condicionada e limitada e  os pés descalços no chão já nada mais tocam. Misturo-me com a paisagem, transformo-me no Universo em mim que sempre fui, mesmo quando eu ainda não sabia que era.