12 de mar. de 2024

Dois Lados

"Dois Lados

Ando por essa ponte, tão alta e tão estreita que balança para a direita, balança para a esquerda, estremece, ameaça mas não cai nem tão pouco se equilibra.

Essa ponte que me divide, que me corta e me separa pelo meio. Uma metade terra, a outra metade ar. Uma metade terrena, a outra metade luz. E o coração por inteiro em cada uma das metades.

O amor do espírito e o amor da luz. E não, não me digam que se trata do mesmo amor. Pois não é. Não é e nem é ao menos parecido. São mais opostos do que semelhantes.

Em comum muitas coisas, desde que não se trate de escolhas – apenas de sentimento.

Pois em comum está o desejo do bem, a intenção de saber o coração amado, feliz. E apenas isso, pois de resto se conflitam, se atormentam. O amor do espírito gosta da proximidade, do abrigo, do conforto na alma. O amor da luz não vê distância, nem sequer se importa com a existência ou ausência de tempo e espaço. Nem mesmo considera essas coisas – elas não existem. O amor do espírito busca, procura crescer, amadurecer, auxiliar. É ativo e entusiasta. O amor da luz é passivo, transcende por osmose, é como a luz refletida por um lago – o movimento pode ou não existir nas águas, a luminosidade não se altera.

E essa ponte, essa trilha é estreita, é de extremos, é incerta. Não há desvio errado ou ruim, não há escolha mal feita. Mas há escolha.

E as escolhas envolvem ganhos, envolvem perdas. E envolve amor. Tudo envolve amor.
Qual é o amor mais forte? Qual é o amor mais certo?

Mas há talvez o amor mais desapegado, o mais calmo, o mais humilde. O amor da compreensão e abnegação, o amor imutável, inatingível, a chama que arde para sempre.
Talvez nem seja nada disso. Talvez não existam diferentes amores, talvez a única coisa que os diferencie seja o foco – e o sentimento seja o mesmo.

Pode sim haver o foco talvez no espírito, talvez na luz, talvez num anseio ou em um desejo. Mas quem sabe sejam apenas os focos...

Focar em uma paixão, focar em um trabalho, em uma ambição... o foco, embora o sentimento seja o mesmo. O puro, o poderoso amor.

E nossas histórias, nossas experiências, nossos medos e nossas dores sejam a lente de nossos focos. E não poderão haver focos errados, mas sim em seu lugar mágoas profundas... como alterar a lente para obter diferente imagem? A imagem não muda... mudam os nossos olhos.

E então, no fundo de tudo, o amor. Pura e unicamente o amor. O amor que desfocado causa as guerras, as ofensas, as injúrias. As traições, as violências, as torturas. Tudo apenas amor. Amor para defender a ferida inflamada, para proteger as esperanças dilaceradas e as perdas ao menos suportáveis. As eternas procuras por justificativas, desculpas para agir conforme o foco do nosso amor...

E assim minha ponte desaba, não oscila, experimenta balançar de forma mais lenta e contida, experimentando o ligeiro movimento. Estremece e para, avaliando se afinal deixaram de existir as metades esquerda e direita. Parece que fundiram-se, encontraram a forma de as unir.

Podemos nos tornar caleidoscópios, cristais... reflexos de um único sentimento capaz de transbordar em todas as direções."

12/03/2014

11 de mar. de 2024

Bocadinho


Vamos então nos sentar aqui por um instante,

E deixar que este instante dure por ano.


Deixar para trás por um tempo as nossas incertezas

Deixar para trás por um tempo as nossas histórias.


Aqui, sentados, és tudo, és meu amante,

És as certezas sem qualquer chance de engano.

E tudo bem, ser for apenas por este instante.


Vamos nos sentar aqui por um tempinho,

Deixa que o tempo passe até sermos velhos,

Quem sabe, se neste pequeno bocadinho

É que se realizam os grandes mistérios.


Vamos aproveitar, ouvir o mar e sentir o vento

Abraçar a vida, viver o momento.


Vem, sentemos aqui por um instante...

E deixemos que instante dure por todo tempo.


Vamos nos sentar aqui um bocadinho...


...

6 de mar. de 2024

Altos e baixos, ir e vir, assim ou assado?

Talvez eu queira tanto ver (ou ser, ou estar) alí à frente, que atropelo até (e inclusive) a mim mesma. E o que eu realmente penso, e o que eu realmente sinto. Por querer estar ali à frente.

Então eu vou, corro com os braços estendidos para a frente para agarrar tudo, sem olhar se calcei os sapatos, ou se estou a correr pelo chão ou sobre brasas acesas. Ou espinhos. Ou cacos de vidro. Eu apenas vou.

E depois, por algum milagre ou generosidade ou alguma condescendência do Universo qualquer, uma pequena pausa acontece, ligeira. Mas, suficiente para me permitir olhar. E aí não sei se me zango por ter visto, ou se agradeço pela oportunidade de ver.

Será que eu sinto realmente que quero ir, ou apenas vou? Será que eu quero realmente agarrar o que quer que seja, ou apenas agarro? Talvez ali à frente não seja bem lá exactamente onde eu queria estar... A ilusão de estar ali parecia tão mais interessante do que a real possibilidade de lá estar...

Mas então, e agora? Diminuo o ritmo devagar até parar por completo, o meu olhar fixo e embasbacado, a minha boca ligeiramente aberta em surpresa, feito idiota, a olhar para mim mesma e para os meus braços tontos e ainda estendidos à minha frente tentando agora disfarçar nem sei como (espalmo as mãos? finjo acenar um adeus?), os meus pés descalços e a minha vergonha e constrangimento espalhados pelo ar e pela minha face vermelha...

Mas então, realmente, paro. E tento encarar a verdade das minhas voltas mentais e inconstâncias. Serão realmente minhas? Ou são os meus medos a falar e a gritar tão alto, que embotam os meus sentidos? O querer ir não será o medo de estar parada a falar mais alto? O parar o passo, o disfarçar do movimento, não será o meu medo de cair a me sussurrar?

Quando já sei que parar é como morrer, que o estacionar é a antítese da vida e do crescimento, não é natural que eu estenda os braços para ir, seja onde para onde for, ainda que eu vá a correr contra um muro ou uma parede?

Quando já sei que caminhar ou correr implica inevitáveis tropeços e prováveis quedas, que qualquer movimento significa sempre e sem exceções possíveis obstáculos e ossos pqartidos, não é natural que venha algum medo me sussurrar aos ouvidos?

Medos não são um problema, só o são quando deixamos que falem mais alto.

Porque o movimento é sim necessário, embora não seja preciso correr sem joelheiras e nem capacete de encontro ao asfalto. Se não existem as joelheiras e o capacete, é ainda preferível o tombo à inércia. Não há evolução nem crescimento possível naquilo que não se move, que não arrisca, que não vive.

26 de fev. de 2024

мне нужно

Há uma parte de mim, pode se dizer que uma parte importante de mim, precisa disto. Precisa acreditar nisto. 

Acreditar não é o mesmo que tornar real?

Essa parte tão grande de mim... tão bonita em mim... precisa acreditar que nada é por acaso.

Acreditar que estamos cobertos por um maravilhoso véu feito de pura e translúcida seda, véu este bordado ao pormenor, com os mais sofisticados detalhes, com fios de ouro e cravejado pelos mais pequenos brilhantes, feitos dos mais puros diamantes, tão reluzentes e tão delicadamente esculpidos no véu que este, ao dançar com a mais leve das brisas, reflete todos os tons do arco íris ao seu redor, de uma forma ténue, subtil e a espalhar encanto e magia por toda sua volta.

E estamos nós cobertos por este véu, abençoados por ele, embora só agora, depois de tanto tempo, possamos adivinhá-lo. Não podemos, obviamente, vê-lo por tão subtil e ténue que é.

Essa parte minha, que sabe de maneira certa e segura de como o véu serviu como um fio que nos aproximou e colocou juntas as nossas mãos. O tempo que passou, ancorado pelo véu que com o seu esvoaçar leve e determinado nos aproximou de uma forma tão cheia de meandros, teceu curvas e reviravoltas, avanços e dificuldades, que fez nos encontrarmos e bordarmos pouco a pouco, ainda que com uma grande distância entre nós, uma amizade que foi desde o princípio presente e discreta, empática e cúmplice, enquanto vivíamos cada um a sua própria história e própria luta, desafios e descobertas.

Uma parte tão grande de mim precisa e quer tanto acreditar... que o véu trouxe o que desde sempre já existia.

Que me vias antes e lá atrás do jeito como me vês agora, e que soubeste desde sempre quem éramos um para o outro e assim, de uma forma descomunal por tamanha gentileza e cavalheirismo, conseguiste te fazer presente e ao mesmo tempo, esperar com tranquilidade e certeza.

Parte esta minha que sonha agora com os olhos abertos e que procura encontrar nas lembranças de anos atrás olhares e abraços, gestos de apoio e de carinho, atitudes e situações que comprovem o sonho que meus olhos abertos sonham, e encontra tantos! Encontra realmente! E esta parte minha abraça as lembranças, colocando-as ao colo e com o toque mais suave e mais doce de que minhas mãos são capazes, afaga estas memórias como se fossem o mais frágil e mais belo e puro dos recém-nascidos. Foram aqueles gestos assim, tão carregados de amor? Um amor que já sentias desde sempre e guardavas para mim?

E quantas vezes, quando o tempo passou e eu passei a ser apenas eu, senti afinal que talvez... talvez pudesse existir realmente ali alguma coisa, uma intenção, uma vontade! E a dúvida logo se seguia, não havia nada claro, não havia um avanço certeiro, havia doçura. Sempre houve. E amizade. E tantas dúvidas minhas...

Amizade que esteve ali, presente, sempre. E o véu que agora nos enlaça, não havia ainda nos abraçado... havia sido apenas tecido o bordado dedicado a me colocar na vida das pessoas que eram também próximas à você, e fio a fio, dar a força e a coragem para que assim chegasses mais perto de mim.

Esta parte tão grande e tão bonita de mim, que procura resgatar a pessoa que eu fui, quando acreditei que um véu como este poderia existir. Resgatar o sorriso que eu sentia me rasgar o rosto, e o brilho que eu sentia sair dos meus olhos. Resgatar as mãos frias e o estômago dançante, as pernas trêmulas e os pés decididos no caminho e na direção à seguir, tendo o futuro e a felicidade como certos.

Uma parte de mim precisa vestir este véu como quem veste a própria essência.

Mas... há uma parte de mim que não deixa.

A parte que antecipa a ilusão, e que vê uma realidade distinta, sem véu e sem tecidos bordados, sem magia e sem esperança. Porque eu sou feita de várias partes. Não somos todos?

E a parte que não ousa sonhar, que crava os pés no chão com tamanha força e determinação que sente os dedos afundarem na terra, não espera por nada. Aliás, espera. Espera pela desilusão, espera pela mágoa, para depois dizer "afinal eu era a parte que tinha razão".

Uma parte que procura pela falha em cada detalhe, que busca, feito um psicótico errante, desesperadamente por algum ato falho, pela palavra não dita e a toma logo como segredo obscuro, busca sôfrego e sedento pela mentira e enganação, e através da imaginação (tão fértil quanto pode ser a mente insana e alucinada), faz a sabotagem dos próprios anseios e desejos e oprime de forma tão violenta e bruta a vontade própria, que corta na própria carne os sentimentos cultivados até sangrar para o chão todo o afecto e todo o amor que desejava ter guardado.

Ai, essa parte de mim!

Parte venenosa, pontiaguda, fria e desconfiada, que se coloca na defensiva com os pêlos arrepiados e as garras de fora, inclina para baixo o pescoço, eleva os olhos fixos e fumegantes para cima, aguça os ouvidos e tenciona cada músculo e cada nervo do corpo, à espera do tão esperado desfecho, de quando cairão os sonhos por terra e as ilusões decapitadas pelo chão.

Treme de antecipação, ansiedade e gozo. Mas não, não há o que temer. Porque é a antecipação da vitória o que se antecipa, e não nenhum tipo de ataque. A tensão pressionada nas vértebras e nas articulações não pretende avançar, porque não crê sequer que vale a pena! Já não era desde sempre sabido que seria este o desfecho? Já não era então um facto de que os sonhos e esperanças todas terminariam feito cacos de vidros estilhaçados pelo chão? Atacar o quê, se em momento algum esta parte de mim acreditou ou foi enganada sequer?

Não... apenas relaxa-se a tensão, e com um sorriso macabro de miséria e vazio, esta parte de mim afirma-se com razão. "Vês? Eu já sabia. Bem feita. Eu avisei."...

E o que seria mais mordaz e mais fatal do que um ataque assim? Palavras de sabedoria e de certeza que perfuram mais que qualquer golpe, ataque, ferocidade ou mordida. Mata um bocado mais a parte bonita de mim. Mata a esperança e mata o sonho, mata a fé e mata o encanto, mata a força e mata a vida. Deixa no espaço em que havia o véu delicado, mágico e tão bonito, o escuro e uma casa vazia dentro de mim.

Há uma parte de mim, pode se dizer que uma parte importante de mim, precisa disto. Precisa acreditar nisto... 

Acreditar não é o mesmo que tornar real? Qualquer parte de mim?




22 de fev. de 2024

Para o Dani

Fazer 17 não é pouca coisa, ao contrário!
Fazer 17 é muito mais do que fazer 25, do que fazer 30 ou fazer 40.
Fazer 17 é quase mais que qualquer outro número! Aos 17 você tem o mundo inteiro e a sua própria vida inteirinha pela frente, sabendo muito mais e podendo fazer muito mais do que você podia fazer e saber aos 16, aos 15 ou aos 14 - mas ainda sem todas as responsabilidades e consequências que existem quando você faz 18.
Aos 17 todos os seus planos e todos os seus sonhos são possíveis, e não surgiram pedras nem muros altos demais no seu caminho - todas as escaladas e todas as caminhadas são possíveis.
E o que eu desejo para você, é que você tenha mesmo todos os sonhos do mundo, e que conquiste todos eles do jeito que só mesmo aos 17 anos é possível conquistar. Que você viva cada dia com o seu coração cheio de certezas, de confiança e de esperança, de amor e de paixão pela vida. Que você seja muito, muito, muito feliz em todos e em cada um dos dias dos seus 17!
Amo muito você!
Aproveita muito hoje e todos os dias!

21 de fev. de 2024

Verbos (02/06/2010- edit 21/02/24)

Eu amei. E odiei. Perdoei, esqueci. Adormeci, amorteci. E de novo sonhei, quando já não mais acreditava. E amei. E odiei. Perdoei, esqueci, amorteci, adormeci, sonhei, e de novo, acreditei.
E então amei. E esqueci. Perdoei, adormeci, odiei, amorteci, acreditei, sonhei.
E de novo, amorteci. E sonhei. E amei (era sonho?). Odiei. Adormeci. Acreditei... esqueci. Perdoei.
E uma vez mais, odiei. Perdoei, amorteci, esqueci, adormeci. Sonhei, acreditei. Amei... e então eu odiei. E esqueci. Perdoei (me à mim). Amorteci... e então eu sonhei. Acreditei. Amei. Morri.

13 de jan. de 2024

Comboio para Lisboa e o Ônibus para São Paulo

Parecem coisas tão distintas, quando são, em essência, coisas tão iguais.
Assim como foram os caminhos de ida, são os caminhos de volta - e vice-versa.
O ónibus para São Paulo tão familiar, e que tantas e tantas vezes usei... às vezes vindo de destinos diferentes e com diferentes frequências, outras vezes sempre pontual da mesma partida e a cada semana.
O comboio para Lisboa, fosse vindo de onde fosse, que sempre remetia ao pensamento e à reflexão, à esperança e ao refúgio.
E agora, tantos anos depois do último ónibus para São Paulo e do primeiro comboio para Lisboa sinto os caminhos se cruzarem, os meios de transporte se unificarem, e pela primeira vez em muito, muito, muito tempo, sinto que se transformam em um mesmo trajeto e um único destino - o meu.