24 de nov. de 2017

Papai - por Ana Luiza (Agapito) Baumann

A perda foi grande e, apesar de ser já há muito tempo anunciada, ainda é dificil de acreditar que aconteceu.

Meu pai foi uma pessoa impar. Nosso relacionamento foi intenso, tanto pra um lado quanto pra outro, até encontrarmos a harmonia, um compreendimento do outro, a admiração, o respeito e aceitação de que só um grande amor é capaz.

Tenho tantas lembranças. A infância tão feliz mas também a adolescência tumultuada, a maturidade que alcancei na marra, ou na marretada mesmo...tantas lições, tantos erros e acertos, encontros e desencontros...mas que como ele mesmo me disse em uma de nossas ultimas conversas 'nada há do que se arrepender, o que vivemos nos tornou o que somos e acho que valeu a pena'.

Ele viveu da maneira que acreditava ser a melhor pra ele, passou por altos e baixos, mas sempre foi consequente com a própria consciência. Não se deixou corromper por relacionamentos falsos, fosse por aparência, conveniência ou interesse. Foi autêntico e como espirito livre que era, escolheu a maneira que queria deixar esse mundo. E foi.

E eu admiro ele ainda mais por isso.

Vai deixar muita saudade mas, o que devia ser um buraco, está surpreendentemente preenchido por lembranças, demonstrações de amor, coisas de uma vida inteira e que eu venho dia a dia redescobrindo, relembrando, acariciando.

Não vou guardar mágoas nem rancor de ninguém, quero com isso ajudar e de alguma forma proteger essa partida. Quero que seja leve, desprendida, plena. Que ele possa se amalgamar com o maior amor em dimensões que eu ainda não compreendo, mas que pressinto um dia tambem vou poder mergulhar.

Tudo isso me faz lembrar de um dos primeiros livros mais filosóficos que eu e minhas irmãs lemos, ainda meninas, não sei mais se dado por meu pai ou minha mãe; Ilusões, de Richard Bach, o autor de Fernando Capelo Gaivota...outro livro que marcou nossa infância e carater.

Para terminar essa despedida uma frase desse livro que escrevi em muitas agendas e páginas de caderno, e que já na época de escola me tocava profundamente. Gosto de imaginar que meu pai teria me murmurado ela com um sorriso se eu estivesse ao lado dele no momento da transição: "o que a lagarta chama de fim do mundo, o mestre chama de borboleta".

Vai com Deus pai. Boa viagem. Da sua filha Ni.
  24.11.2017

18 de nov. de 2017

Pai

Me sentei aqui no chão, entre a casa e a montanha de pedras, com minhas costas voltadas para o sol e meus olhos para o campo. Me lembrei das vezes que você ia sem camisa se sentar no terraço para apanhar sol, a sua "praia" particular, e que você dizia que isso fazia bem - apanhar sol nas costas.

Na verdade, não sei o que mais eu posso fazer agora para além de estar assim, calma, apanhando este sol nas costas. Estou mesmo muito calma, serena, aliviada pela poupança de dor e em paz de espírito e consciência, grata por tantas coisas boas e momentos, por uma partilha inexprimível.

Mas estou também com o coração apertado, sentindo uma tristeza saudosa que eu sei, vai ficar sempre. Às vezes vai apertar mais ou vai apertar menos, mas fica.

Engraçado como ao mesmo tempo, me vejo agradecendo por todas as novas tecnologias que me permitem lembrar momentos e conversas através de fotos, áudios, emails. Tantos e tão bons! Quem dera fossem ainda mais, apesar de serem inúmeros.

Os passarinhos cantam, os cachorros brincam, um vento muito fraco faz algumas folhas e galhos balançarem e existe mesmo muita serenidade e paz, existem lembranças muito boas e fortes dos abraços, dos risos e das conversas.

Poucas horas atrás eu estava a dizer sobre como sou afortunada. Mesmo agora... com essa tristezinha no peito, que bênção e que fortuna é este conforto que carrego de tantas coisas para lembrar e sentimentos para sentir.

Mesmo longe, a união entre todos nós, o amor tão imenso e incondicional que nos faz estar nos abraços uns dos outros mesmo quando estão invisíveis os braços.

Queria poder chorar no seu colo e no seu abraço, e eu sei que você queria também. Aí sinto bem forte que na verdade (essa verdade que é invisível mas concreta), eu choro sim no seu abraço, e você sim, me conforta.

Estamos todos juntos. Sempre.