14 de ago. de 2011

Vida e Morte

Ela queria de uma só vez dizer tudo que lhe ia no pensamento, no coração. Tantas emoções e reflexões haviam sido feitas que a profusão de palavras acabava por se tornar desconexa, era cada vez mais difícil de se fazer compreender. Desistiu.

Sentou-se com calma, chegando a conclusão que havia de encontrar maneira de demonstrar o que as palavras já não mais conseguiam traduzir. Ainda na postura tensa e firme que a cadeira dura de madeira exigia, estendeu para frente os seus braços, curvando suas costas até que suas mãos tocaram o assoalho do chão. Apoiou-se nos braços estendidos e rastejou para fora da cadeira, andando de gatas como se fosse animal, permanecendo com o rosto baixo sem tirar os olhos do chão que percorria.

Arrastou-se para o lado de fora da sala, descendo ainda de gatas os degraus que davam para o jardim descuidado, tocando com os dedos a terra ainda úmida do orvalho da manhã. Ao andar um pouco mais a frente, parou como se houvesse chegado a algum lugar, estendeu os braços erguidos sobre os quais ainda se apoiava como um animal a se espreguiçar, abrindo os dedos das mãos de forma que a terra os engolisse e as mãos se fossem enterrando num silêncio de contato e carícia.

Abaixou o rosto até que sua fronte tocasse a terra e as raízes escassas das moitas ainda sobreviventes manchando assim a pele clara de um misto de castanho e espinhos esverdeados. Virou com leveza o rosto como um gato que se enrosca para um afago, entregando o calor da sua face para a frieza do chão quase morto.

Esticou as pernas lentamente, uma e depois a outra, enquanto descalçava-se e fazia com que os dedos dos pés cavassem a terra e submergissem dentro dela. Deixou-se ficar estendida no chão como um cadáver pulsante, entregando seu calor e vida para a terra moribunda e gelada, enquanto com a suavidade de sua pele entregava carícias, promessas e afetos com a textura e cheiro da terra úmida e os milhares de organismos invisíveis dentro dela.

Entreabriu suavemente os lábios, entregou seus gemidos, seus suspiros e sua alma àquele pedaço de solo, na esperança de que talvez assim, o que suas palavras jamais conseguiram dizer sua atitude talvez o conseguisse.

Entregou sua vida ao chão, que recebeu imóvel e em absoluto e completo silêncio seu último suspiro, o último sopro de intensidade da vida que ali se esvaiu.

2 comentários:

regina disse...

Só que vc esqueceu de dizer que passada a primeira chuva dali brotou um lindo pé de encrenca !!!!! Brincadeirinha. Muito lindo.

AAgpt disse...

:) Brotou mesmo, esqueci :P