30 de set. de 2010

Funeral

Ela abriu os olhos e viu que ventava lá fora, que o som que ouvia eram as janelas de madeira a bater e que o tempo lá fora já era outro, havia mudado enquanto ela dormia. E ela não teve vontade para levantar.
Em algum lugar, ela sabia, alguém se recolhia em dor, alguém ria, alguém chorava. Alguém tentava acreditar, alguém se iludia, alguém sonhava, alguém desistia. E ela não teve vontade de levantar.
O que ela era, sua história, seu sangue e sua vida batiam à porta, mas ela não queria mais se levantar.

Não era bom, não era ruim, não era dúvida ou certeza, simplesmente não era nada. Não havia saudade, vontade, não havia tempo, razão ou pesar. Ela já havia rido, chorado, já havia desistido e lutado. Já havia tentado. Não era tristeza, isso ela conhecia. Não era felicidade, isso já não existia. Ela só não queria mais se levantar.

Houveram dias bons, dias ruins. Houve vida e houve morte. Azar e sorte. O que ela procurava, sabia que não ia encontrar. Ela viveu. Como pôde e como quis, como soube e como conseguiu. As janelas de madeira batiam, ventava lá fora. E ela não se levantou.

Passaram-se horas, quase um dia inteiro, e então a porta se abriu num rompante. As janelas já não batiam, não havia vento algum. O ar estava parado, o silêncio alucinante. Naquele quarto já não mais batia coração algum.

E seguiu-se a agitação, a dúvida e o não saber como agir. Telefonemas, sussurros, o que fazer? Um cadáver no chão, uma vida que se viu esvair. Mas quem podia o último suspiro deter?

Aqui e mais além um lamento, uma indagação. Mas sobre sentimento, apenas ilusão.
Ela de cima a tudo assistia, e em desespero perguntava: “Ninguém se lembra do que eu dizia?”. Ela antes já sabia, e de seu jeito propagava “antes a verdade que uma vida vazia”.

Sua vontade era a de sacudir seus corpos ainda vivos porem inertes, de gritar e chamar-lhes a atenção. “O que ainda esperam com seus tolos flertes, com uma vida de ilusão?” “Não há amor que dure pela eternidade, não existe nem mesmo eterno sofrer, nem tão pouco a sonhada felicidade, existe apenas aquilo que se escolher”. “Acordem, suas tolas crianças perdidas, ninguém aqui neste enterro chora por mim. Suas almas estão de vocês escondidas, não se reconhecem a si mesmos e pensam conhecer o que é fim”. “Há época para sonhar, mas a vida é para crescer. Existe a hora de despertar, de lutar para vencer”.

Naquele enterro sem defunto, quem falava era silêncio e solidão. Cada qual sem ter assunto, só em si mesmo centrado e sem qualquer compreensão.

De nada valeu aquela vida ou morte, como ela assim pretendia. Cada qual só enxerga a própria sorte, ninguém percebeu o que de fato ali perdia.

“Vim para ser uma inspiração”, ela falava. Mas cada qual com sua solidão, não escutava. Seguiram-se os dias e os anos passaram, as almas permaneceram vazias, as pessoas se acomodaram.

E assim entre caminhantes e caminhos, entre anjos e demônios de astral, haviam amantes e carinhos que se perdiam e encontravam como numa eterna espiral.

O papel que ela havia deixado, jamais foi lido ou encontrado. Onde estava escrita sua alma e sua esperança, com um vento ainda voa e em silêncio de papel, dança.

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