30 de set. de 2010

Almas Inquietas

Eu vi os olhares pelas ruas, vi a inquietação nos gestos. Vi aquele que regressava à casa, para a família, esposa e os filhos e se perguntava se a vida era só aquilo, se questionava como preencher o imenso vazio que cobria seu peito. Eu vi a menina de mãos dadas com o namorado e o seu olhar de cobiça para o rapaz bem apanhado que entrava distraído. Eu vi a velha senhora que folheava um livro qualquer se perder em pensamentos de como era absurdo o comportamento do filho, que só fazia escolhas erradas na vida. Vi os olhos do velho recuarem no passado para relembrar o amor ausente, que ele não soube manter. Eu vi as almas inquietas, insatisfeitas, a procura de consolo em qualquer lugar que não neles mesmos. Eu vi a mulher batalhadora sem perguntas no olhar, apenas indo para mais um dia de trabalho buscar o sustento dos filhos ainda pequenos, ali não havia tempo para pensar, mas haverá. Eu vi as crianças brincando querendo os brinquedos umas das outras. Eu vi o tempo passando. Vi meus pés cheios de bolhas, senti o peso das minhas costas e me dei conta dos meus cabelos brancos. Eu vi uma menina se esconder atrás de grossos óculos e do cabelo despenteado, puxado para a frente do rosto, as roupas largas e sóbrias, o sorriso medroso e as pernas inseguras, esperando pelo milagre ali, sentado ao lado dela sem que ela percebesse. Eu vi o olhar carinhoso do pedinte de esmolas ao olhar para o cão ao seu lado. Eu vi o tempo voar, eu vi minhas escolhas e chances me passarem pelas mãos sem tentar sequer tocá-las. Eu vi a noite cair, o mar se revoltar, ouvi os sons das ondas batendo nas rochas. Eu vi o morto descer em seu caixão para dentro da terra, já não havia inquietação em seu olhar. Vi os amigos irem aos copos e esquecerem-se da vida, por instantes, apenas estando ali, até a hora de cada um seguir seu caminho, todos eles sem vontade de ir. Vi nascer e morrer o amor dos amantes. Vi o tempo passar. Soube da notícia antes de recebê-la, conheci a história sem ver o livro, escolhi não ler. Eu vi os olhares pelas ruas, vi as almas inquietas. Reconhecemo-nos, por instantes, olhamo-nos nos olhos, e seguimos cada um seu próprio caminho.

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