12 de mar. de 2017

Dois Lados

Ando por essa ponte, tão alta e tão estreita que balança para a direita, balança para a esquerda, estremece, ameaça mas não cai nem tão pouco se equilibra.
Essa ponte que me divide, que me corta e me separa pelo meio. Uma metade terra, a outra metade ar. Uma metade terrena, a outra metade luz. E o coração por inteiro em cada uma das metades.
O amor do espírito e o amor da luz. E não, não me digam que se trata do mesmo amor. Pois não é. Não é e nem é ao menos parecido. São mais opostos do que semelhantes.
Em comum muitas coisas, desde que não se trate de escolhas – apenas de sentimento.
Pois em comum está o desejo do bem, a intenção de saber o coração amado, feliz. E apenas isso, pois de resto se conflitam, se atormentam. O amor do espírito gosta da proximidade, do abrigo, do conforto na alma. O amor da luz não vê distância, nem sequer se importa com a existência ou ausência de tempo e espaço. Nem mesmo considera essas coisas – elas não existem. O amor do espírito busca, procura crescer, amadurecer, auxiliar. É ativo e entusiasta. O amor da luz é passivo, transcende por osmose, é como a luz refletida por um lago – o movimento pode ou não existir nas águas, a luminosidade não se altera.
E essa ponte, essa trilha é estreita, é de extremos, é incerta. Não há desvio errado ou ruim, não há escolha mal feita. Mas há escolha.
E as escolhas envolvem ganhos, envolvem perdas. E envolve amor. Tudo envolve amor.
Qual é o amor mais forte? Qual é o amor mais certo?
Mas há talvez o amor mais desapegado, o mais calmo, o mais humilde. O amor da compreensão e abnegação, o amor imutável, inatingível, a chama que arde para sempre.
Talvez nem seja nada disso. Talvez não existam diferentes amores, talvez a única coisa que os diferencie seja o foco – e o sentimento seja o mesmo.
Pode sim haver o foco talvez no espírito, talvez na luz, talvez num anseio ou em um desejo. Mas quem sabe sejam apenas os focos...
Focar em uma paixão, focar em um trabalho, em uma ambição... o foco, embora o sentimento seja o mesmo. O puro, o poderoso amor.
E nossas histórias, nossas experiências, nossos medos e nossas dores sejam a lente de nossos focos. E não poderão haver focos errados, mas sim em seu lugar mágoas profundas... como alterar a lente para obter diferente imagem? A imagem não muda... mudam os nossos olhos.
E então, no fundo de tudo, o amor. Pura e unicamente o amor. O amor que desfocado causa as guerras, as ofensas, as injúrias. As traições, as violências, as torturas. Tudo apenas amor. Amor para defender a ferida inflamada, para proteger as esperanças dilaceradas e as perdas ao menos suportáveis. As eternas procuras por justificativas, desculpas para agir conforme o foco do nosso amor...
E assim minha ponte desaba, não oscila, experimenta balançar de forma mais lenta e contida, experimentando o ligeiro movimento. Estremece e para, avaliando se afinal deixaram de existir as metades esquerda e direita. Parece que fundiram-se, encontraram a forma de as unir.
Podemos nos tornar caleidoscópios, cristais... reflexos de um único sentimento capaz de transbordar em todas as direções.

7 de mar. de 2017

O tempo não me engana, não!

Crescer é uma mentira, a maior mentira que já nos contaram. Quando olho no espelho, os cabelos brancos são uma mentira, mais mentirosos ainda do que a madeixa azul que pintei com tinta.
O tamanho que eu tenho, as roupas que eu visto e os sapatos que calço são igualmente mentirosos, mais verdadeiro são os cachos que já não tenho e os meus dentes de leite que já caíram.
Verdade é o que vejo quando fecho os olhos e consigo ver minhas irmãs pequenas, rindo. Ou o Pedrinho e o Caio a jogar bola no corredor de casa, uma casa que já não existe mas que é mais real do que qualquer casa em que eu entre.
Verdade é quando fecho os olhos e estou no colo da minha mãe, ou no abraço do meu pai. O resto são mentiras que nos contaram.
Crescer é uma mentira. Sofrer é uma mentira. A única verdade é o sentimento que nos invade quando nos lembramos.
Tudo passa, absolutamente tudo. E só a verdade permanece, sempre. E é esta a verdade que guardo, que faz de mim quem sou e que habita em mim.
Verdade é conseguir ver minha mãe como criança, de vestidinho branco e fita no cabelo com o coração cheio de luz. Verdade é ver meu pai rindo e brincando espalhando alegria por todos os lados.
O resto são ilusões que nos disfarçam e amordaçam, coisas tolas que o tempo tenta nos convencer a acreditar.

Verdade são os abraços que nunca se desfizeram e os olhares que nunca se deixaram de olhar.

18 de fev. de 2017

Uma casinha no meio de lugar nenhum

Que venha a vida. Que venha o pulsar do coração nas veias, o arrepio nos poros, o sorrir na alma. Que venham as cores, que o vento sopre para longe o que era cinza e faça com que brilhe o sol.
Que eu saiba, dentro de tudo aquilo que não sei, deixar abertas as janelas e deixar que o calor me chegue à pele.
Descalçar os sapatos, despir os casacos, soltar os cabelos e tirar dos dedos os anéis e do espírito as correntes.
Esquecer-me do relógio, do telemóvel, do computador e dos afazeres que o mundo achou que deviam ser meus.
Ajoelhar-me na terra úmida e ouvir os pássaros que nunca deixaram de cantar, mesmo quando eu não os ouvia. Curvar-me até ter a testa no chão, afundar os dedos na terra como se para sorver toda a energia que me esqueci de sentir.
Permitir que a brisa sobre mim seja um beijo, e que a natureza seja o abraço que não senti. Esquecer-me de tudo que já não sou e deixar-me ser quem me tornei.
Aceitar o que me chegar, deixar ir o que não veio. Não lamentar pelo que não foi ou que não pôde ser.
Reconhecer que ninguém me rasgou o peito para além de mim mesma, e o rasgo que fiz foi o que me permitiu brotar. Tornar-me a semente que antes adormecia cá dentro, e elevar o broto que criei. Que se tornem folhas os meus dedos e minhas mãos. Que se torne tronco e árvore o resto de mim.
Em pé, entre as amendoeiras e pinheiros que eu seja o vento que me sopra, a luz entre o entardecer e o anoitecer que tinge com tons de rosa e de azul a página em branco que ainda não escrevi.

Solto os restos que poderiam haver presos e contidos, liberto a mente condicionada e limitada e  os pés descalços no chão já nada mais tocam. Misturo-me com a paisagem, transformo-me no Universo em mim que sempre fui, mesmo quando eu ainda não sabia que era. 

21 de dez. de 2016

As cartas que não escrevo

Pulsa em mim um Universo de palavras. De frases construídas com o sentir e o pensar. Frases que não escrevo.
Palavras perdidas que voam no Universo de mim e não encontram porto - além do porto de mim mesma.
Meu abrigo? Que seja eu...
De que valem os encontros, se promovem mais desencontros de olhares do que olhares encontrados?
De que vale o encontro, quando é só que se fazem os caminhos todos?
E o poder criador do verbo perde-se nos tempos em que a criação valorizada ainda é a das ilusões.
Quem se importa com a verdade?
Quem ainda se importa com a verdade neste mundo?
Tanto medo em acreditar, que escolhe-se consciente a fantasia, para evitar dores... E não é a fantasia uma dor por si só?
Não gosto de muito do que vejo, não posso pela verdade em mim participar ou ser cúmplice de ilusões que destroçam o que ainda acredito ser o melhor do mundo - agape.... Agape!
Onde está, que nem sequer encontra-se... e pior! Nem se quer se procura...
Pensei ir à Sagres, para estar com o mar.
O mar... habita em mim. Já lá estou.
Mas meu corpo... este... vai dedicar-se ao jardim. Plantar sementes, cuidar do pequeno mundo que me cerca... que este sim, cuida de mim.

14 de dez. de 2016

Adiante!

Ainda me lembro de Parati (RJ, Brasil), e tambem de quando lá, cortei o pé. Não pelo corte em si (embora tenha doído o suficiente para deixar lembrança), mas pela “lição” aprendida. Era um mar tão calmo! Era um “convite” tão tentador... andar metros e metros pelas águas tranquilas em direção ao horizonte, sem que a água passasse do nível abaixo da cintura. Uma minúscula ilha à frente, e a possibilidade de tão tranquilamente chegar lá. Sendo que águas revoltas e tempestades me inspiram e fascinam, águas tranquilas me fazem querer percorrê-las (quem não gosta de sentir-se seguro, em paz?).

Mas fato é que mesmo na calmaria, existem perigos e riscos ocultos. Uma ostra, e lá se vai um grande talho no pé. Por ter ido, vi-me obrigada a voltar com areia a entrar pelo corte. Por ter ido, aprendi que ostras não produzem apenas pérolas. Por ter ido, ganhei uma nova cicatriz.


Guardo comigo a cicatriz (e as memórias), e penso que sempre é momento de adquirir novas memórias (preferencialmente sem tão grandes cicatrizes). Novos aprendizados, novos horizontes.


Olho à volta e está difícil encontrar as águas tranquilas que me fazem caminhar. Também não vejo o mar revolto à me inspirar. Onde anda o que está oculto, e produzirá pérolas ou dores?


Pelos caminhos já percorridos, pelas “vidas” já vividas, sei reconhecer o instante de pausa quando vejo-me em um. É uma pausa... mas prolonga-se. A vida não era suposto ser aqui e já? Há pernas prontas para a caminhada. Há pés cicatrizados.



Há uma gratidão imensa pela estrada que me trouxe à este momento. Tudo está certo. Muito bem. Já é hora de seguir adiante... adiante, adiante!

5 de dez. de 2016

Tempo

Não sei que tempo é este. Para minha vida, para minha evolução, para minha alma... que tempo é este?
Vou lembrar-me dele um dia?
Ou irá se perpetuar sempre?
Tantos planos e tantas vontades, enquanto algo sussurra cá dentro: "espera".
Talvez não seja bem "espera", talvez seja mais "aproveita".
Aproveitar este instante imóvel onde permito-me sentar embaixo de um pinheiro com as pernas esticadas para esse sol de inverno, observo a calma ao redor. Os problemas estão todos cá, é facto, mas ainda assim dou-me ao luxo absurdo de permitir-me estar... esperar... aproveitar.
Se tola ou sábia não sei, importa?
Sempre há algo que falta, sempre há algo que quero, sempre há alguma dificuldade ou problema qualquer... importa?
Ou importa mais o que eu faço dos meus dias? Dos meus instantes imóveis?
Percebo ao longe que alguem está a podar alguma árvore  (ou cortam lenha), passarinhos que cantam, sombras que vem e que vão. A vida tornou-se simples, finalmente. Ou será que fui eu?
Apareceu uma borboleta. Uma joaninha. Uma aranha.
Caiu uma laranja no chão.
Que tempo é este não sei... mas aproveito.

Volto já

Ir embora não é difícil, é impossível. De tão impossível que é, não vou. Nunca vou.
É sempre um vou mas já volto já, ainda que não se saiba quando é o "já ".
O coração fica sempre. Planos, idéias de lugares para ir, pessoas para ver e conversas para ter e continuar permanecem com a promessa e certeza silenciosas de que eu volto já.
Uma corda meio bamba de vontades tão concretas que se transformam em certezas no coração, porque sim, está tudo bem e sempre estará tudo bem.
Somos imbatíveis, incansáveis e indestrutíveis. No nosso amor, nossa história e nossos afetos, somos imensos e somos eternos. Verdadeiras fortalezas de experiências e de sonhos, esperanças e desejos tão gigantes que tempo e distância são meras bobagens, como não seriam diante da presunção e do tamanho do meu amor?
Pois claro que meu amor é presunçoso! É tão enorme, como não seria? Claro que é imenso o bastante para me dar todas as absolutas certezas, forças e coragens desse mundo, é um amor enorme! Pode tudo! Quem seria louco de dizer o contrário?
De tão enorme e absoluto que é, não há barreira que o assuste, que o deixe inseguro ou duvidoso sobre tudo o que esse amor sonha, quer e deseja. Todo o resto é mínimo e de tão mínimo, é ridículo. Tempo? Milhares de quilômetros de distância? Que bobagem! Isso não é nada! Nadinha!
Nós somos infinitamente maiores do que essas bobagenzinhas... e seremos sempre e eternamente!
Afinal...
Eu volto já.

18 de out. de 2016

Bum!

Tenho universos para escrever. São como Big Bangs em colapso às vezes, que se atropelam nas palavras soltas e pensamentos incontinuos, que por vezes conectam-se lá na frente, outras vezes transformam-se em autênticos buracos negros onde há muito conteúdo e potencial mas de alguma forma ficam submersos em si mesmos e engolem-se, sugam para dentro teorias e acumulam um conhecimento que não sai à superficie e adensa-se no interior.
Nietzsche dizia que é preciso caos para parir uma estrela. Por vezes talvez tenhamos que provocar o caos (mudanças) para gerar novas possibilidades.
Acredito que cada ser possui os seus próprios buracos negros, uma somatória de experiências, sonhos, pensamentos, sentimentos e desejos acumulados não realizados ou satisfeitos, prontos para gerar um Big Bang quando estimulados através do caos.
Galáxias podem se formar assim, o quê dizer então sobre transformações no ser? Na vida?
O caos necessário para gerar a estrela pode ser a mudança necessária para gerar a vida em seu potencial máximo.
Um caos não basta - seria o mesmo que limitar o universo infinito.
Até onde se pode ir?
Qual o limite do que se pode conquistar interiormente?
Quem decretou que há limite?
Enquanto houver vida, enquanto houver vontade, o limite é o desejo de cada um e nada mais.

30 de set. de 2016

Amor. Amor e mais Amor.

Cada um enxerga, assume e encara o amor de uma maneira própria. Até deparar-se com o amor verdadeiro, onde não há espaço para interpretações, visões ou formas. Simplesmente é absoluto, incondicional, pleno.

Se sou um ser capaz de amar, é porque me deram a conhecer esse amor.

Minha mãe, que quando apesar da saudade e da falta de estarmos perto nos sorri e nos deseja o melhor, está a dar-nos esse amor.

Meu pai, quando deixa de fumar porque não quer ser a razão dos olhares preocupados da gente que o ama tanto, está a nos dar esse amor.

E aí o coração aperta, aperta de amor. Aperta e se espreme tanto que o sentimento acaba por explodir, transborda e transporta a minha alma de dentro do corpo pra juntinho da alma deles, e os abraça enquanto se sente abraçada tambem.

O amor é assim. É o que nos mostra a diferença entre a matéria e o espírito, entre o plano do lado de cá e o do lado de lá, onde somos uma coisa só.

E temos que seguir a vida, seguir o plano de cá fazendo o que nos for possível de melhor, mas sem nos esquecermos do que realmente importa: A essência que guardamos em nós e que nos cabe fazer com que atinja todo o potencial infinito que contém.

Somos potencial, porque somos amor. Todos nós.

E ao reconhecer o amor nos outros, reconheço o amor em mim. E assim, é ainda mais que ele transborda.

24 de set. de 2016

Fortuna

O tempo passa, a gente cresce. Aprende.
Vou desenvolvendo teorias, algumas (confesso), esqueço. Outras vão ganhando força.
Vejo cada teoria como uma semente de sabedoria, algumas permanecem latentes e não crescem nem geram frutos, outras desenvolvem-se em todo seu potencial e florescem, até espalham-se.
Algures, nos tempos de infância ainda, uma das minhas primeiras teorias foi sobre a batata e o feijao-manteiga. O feijão quando cozido, por dentro, era "irmão" da batata, pois tinham o "recheio" igual depois de ambos cozidos. Uma tontice, mas ainda penso que deve haver uma ligação muito maior do que se pensa sobre as duas coisas...
Mas enfim, a gente cresce... E as teorias se aprofundam.
Anos atrás nasceu dentro de mim a semente da teoria de que o sentido da vida não estava na vida geralmente aceita como "perfeita". Um bom trabalho, uma boa casa, um bom casamento, filhos. A semente era um "plin" que dizia que somos mais capazes do que isso. Muito mais.
Hoje essa semente já não é semente, possui algumas folhinhas tímidas e oscilantes ao vento, mas cresceu.
Vou ao longo do tempo comprovando a razão daquele "plin", e percebendo a importância do equilíbrio das coisas. Claro que para o equilíbrio acontecer, às vezes o desequilíbrio também é necessário - essa teoria para mim está comprovada e até florida.
Mas tambem, em meio às folhinhas tímidas que oscilam ao vento, vejo-me a concluir que sim, a vida pode ser muito, muito mais do que o conceito comum mais aceito de "perfeição" e de "valor" - porém, a conquista por maior que seja perde o encanto se não for partilhada, dividida, doada às almas e aos seres que nos são importantes.
A conclusão repousa na constatação  de que a verdadeira fortuna da vida não está nos grandes feitos, está nas pessoas com quem partilhamos os feitos. Grandes realizações, pequenas, significativas ou irrisórias, não importa. Ainda que o sol e a lua forneçam espetáculos gratuitos diariamente independentes de quem os observa e aprecia, nós ainda somos apenas humanos, e se até Zarathustra se viu na necessidade de descer das montanhas para partilhar suas descobertas, ai... pobre de nós se não pudermos partilhar inclusive nossa singela mediocridade...

29 de ago. de 2016

Eu te Amo

É isso: Eu te amo.
Tanto, e com tanta força, que meu coração se aperta, se espreme... e se expande nesse amor. Amor maior? Não há. E nem mais compreensivo, mais intenso e tão grande, que acho que tem até alguma sabedoria nele.
A sabedoria de tudo que a gente já partilhou e que você já me ensinou e mostrou.
Um amor mesmo imenso, e que agora de vez enquando vem me sussurrar no ouvido: "que merda!". As vezes ainda me sussurra pior:"que grande porra isso!!!", "que caralho!!!". Isso, essa coisa da distância. Isso de eu não conseguir aliviar em nada tudo que anda difícil pra você.
Não devia ser assim... eu não queria que existisse nada difícil pra você. Nada que doesse, nada que causasse algum desconforto ou dificuldade. Eu te amo tanto...
Aí esse mesmo amor vem me sussurrar sobre você, sobre a gente. E tudo que você me ensinou, me ajudou e me ensinou a "abrir a cabeça" pra saber.
Saber que eu te amo, e que estou aqui e sempre estarei, prontinha pra voar pra te dar um abraço, pra estar do seu lado, pra viver do seu lado o tempo que for e quando você quiser. Quando você quiser - não antes, não depois.
Porque se o que te faz mais feliz é saber que está tudo bem, tenho muito que fazer para estar tudo bem, e para voar nas alturas que você gostaria de me ver voar.
Não é fácil... mas faz sentido voar. E descobrir até que altura as asas aguentam. Por mim. Pra usar tudo que aprendi. Pra fazer valer.
E terá que valer.
O que não vale é essa distância física que aborrece e que separa o abraço e o apoio que eu queria poder ser pra você e te dar. Queria. Quero.  Mesmo.
Mas será que você quer? Seria bom?
Você não estar bem é mais que uma merda, (é melhor nem tentar dizer o que é porque só me vem palavrões horríveis na cabeça).
Queria estar com você. Queria arrancar qualquer coisa que te doa, brigar com o mundo, te dar um abraço gigantesco, estar do seu lado e nunca te largar.
Mas sabe a ironia? Você me ensinou mais que isso. Me mostrou como ser melhor que isso. E talvez as pessoas não percebam que não estar aí do seu lado agora não é por mim... por mim eu estaria. Já.
É por você. É por nós dois. E por tudo que penso saber.
E dói pacas...
Porque eu te amo.

20 de ago. de 2016

Entrego. Confio. Aceito. E agradeço.

Já fui tanta coisa... quase que já fui tanta gente. Tambem já fui vento, já fui mar e já fui sol. Já fui noite e já fui dia. Já fui pequena, já fui grande. Já fui sozinha e já fui multidão.
Agora eu não sei muito bem o que sou, senão a soma e a mistura de tudo aquilo que já fui e dos desejos do que ainda me falta ser. Existem fases assim, em que todo o conhecimento adquirido e toda a experiência somatizam num estado de simplicidade e de humildade do reconhecer que apesar de tudo, não sei nada, só aquilo que eu soube um dia e que hoje já não sei.
Momentos em que há como que uma batida à porta, mas é preciso abrir tanto espaço para deixar o que nos é desconhecido entrar... É preciso abandonar o que se conheceu, o que se soube, o que se foi.
E de repente de tudo que já fui, reconheço o ar um pouco nostálgico e familiar da despedida. Quantas despedidas juntas, eu não sei. Mas reconheço o ar que as trás, o vento a mudar de direção, a querer fazer uma curva. Já fui vento, eu sei...
E escorre pelos dedos os grãos de areia que já aprendi a não tentar segurar. É tempo de deixar ir... de deixar acontecer, de aceitar.
E aceito. Confio. Jogo para o ar a areia que me escorria pelas mãos - que vá para onde tiver que ir, que ganhe asas para voar.
Eu já fui a que voa. A que sopra. Já fui tanta coisa... Agora, sou eu.

12 de jul. de 2016

Gaivotas... todos somos.

Vai, e levanta vôo...
Vai com as nuvens, ergue alto as asas e encontra a brisa suave e o sol radiante lá do alto.
Não olha para baixo, não olha para trás, segue em frente - para cima e para frente - a estrada e o caminho são ilusões, fazem-se conforme se cria o traçado de onde se pretende chegar.
Ainda que seja lugar nenhum, o ir é a único sentido possível.
Pode ser que venham rajadas de vento para atordoar o vôo, podem surgir nuvens ou até tempestades, mas mesmo elas tem a sua beleza, não tem?
Fortalecem-nos asas, mostram-nos todo o potencial que temos guardado e às vezes até escondido inclusive de nós mesmos.
Não tem importância o rodopio, ou mesmo que se perca o caminho vez ou outra... seguir adiante, sorrir para o que surgir à frente e... voar!

8 de jul. de 2016

Recordar

Para recordar que em certas ocasiões só através da pele rasgada pode se produzir algo tão belo e raro como uma pérola. Em algumas ocasiões, as dores e os riscos são necessários.

"Chegar a um lugar e ver a estonteante paisagem tem um efeito, uma consequência. O cheiro de mar e maresia, o verde intenso da mata atlântica, o cantar de centenas de pássaros de diferentes espécies tem um impacto único, intenso, perigoso.

O mar imenso e azul, com ondas que não passam de uma pequena marolinha, o vento leve, suave, o sol a produzir pequenas centelhas prateadas sobre a água cristalina e os pés descalços a experimentar a temperatura da areia coroam o momento.

A tentação incontrolável de deixar a água abraçar a pele e sentir a temperatura do universo escondido sob a superfície fazem o resto.

Águas tão rasas que é possível andar metros e metros sem sentir o mar sequer chegar aos joelhos, avistar pedras a uma distância pequena, apenas sendo necessária uma pequena travessia, pé ante pé, para se chegar a um paraíso de conchas.

Como a história de que ostras que nunca sofreram impactos e ferimentos não são capazes de produzir pérolas, o risco de se ferir parece pequeno diante a paisagem que se possa avistar daquelas pedras mais distantes.

E assim, devagar e seguindo em frente, vou a caminhar pelas águas, tentando chegar ao outro lado para apanhar conchinhas solitárias na paisagem mais a frente.

E chego, com os pés descalços na areia formada por rochas que ao longo de anos e anos se desintegraram, subo um pouco, vejo a paisagem sem máquina fotográfica para registrar o momento da vitória.

Mas ainda há um caminho de volta a se fazer, caminho para se chegar ao porto seguro, à zona de conforto, ao que é tranquilo e confortável. A paisagem foi vista, o caminho feito – é hora de regressar.

Entro na água novamente, agora a pensar que talvez eu mereça um mergulho de corpo inteiro para sentir a água fresca abraçar-me por inteira. Mas não ainda, pois é raso demais para isso.

Sigo agora a pensar em fazer um caminho diferente, talvez mais curto, pois é possível ver que existe uma zona mais funda entre eu e a praia. Penso que é dar apenas alguns passos para a areia sob meus pés simplesmente desaparecer e assim eu poder nadar livremente.

Mas não chega a acontecer isso. A areia não desaparece, apenas sinto uma dor ligeira e cortante rasgar a pele que eu pensava grossa, calejada, resistente.

Não olho, pois é preciso ainda percorrer um bom caminho para poder parar.

Sigo a caminhar, sentindo a cada passo a dor ficar mais aguda, insistente, cortante. Sinto a areia e as pequeninas conchas entrarem mais na pele que eu acreditava grossa, e a areia fina raspar onde já pensei que não era possível doer ainda mais.
Mas sigo em frente, não olho e consigo sorrir – está tudo bem.

Saio da água sentindo a dor das conchas quebradas fazerem seu papel na pele já rasgada, sinto que o sangue parece descer do meu rosto, sinto meu estômago revirar-se em si mesmo – a dor é grande demais sequer para eu tentar ver.

Vejo sangue tingir a areia.

O importante é não parar, é seguir em frente, continuar a andar.

Uma ostra, um ser fechado em si mesmo, isolado do restante do mundo me feriu, cortou-me.

Ostras só produzem pérolas quando machucadas. Talvez, agora aquela ostra possa produzir a mais linda pérola já feita.

Talvez, agora também eu." Agape

12 de jun. de 2016

Esperança

Não. Não perder a esperança. Não deixar nunca de acreditar.
Porque a vida é feita de instantes, e os instantes vivem-se melhor quando se acredita.
Porque a felicidade consiste em leveza, e para ser leve é preciso deixar-se levar.
As dúvidas são os venenos da inocência, e sem inocência a vida torna-se pesada.
É...
É preciso acreditar e deixar-se levar.
É preciso ter esperança.

https://youtu.be/vKaHc2j3fcs

30 de mai. de 2016

37


Andei a ler alguns artigos sobre a minha geração, que oscila entre o desejo pela liberdade e os conceitos mais tradicionais da nossa sociedade. Tambem andei a ler sobre a “virtualidade” do nosso mundo atual, sobre as possíveis consequências nas pessoas, sobre sentimentos de realização pessoal e insatisfação. Andei a ler mesmo muitas coisas nos últimos tempos... e percebi que não li o que eu queria, alguma coisa sobre os 37 anos ou essa fase da vida. Então, seja por não ter procurado no lugar certo ou seja por realmente ter algo realmente diferente a dizer... resolvi escrever.
Não posso falar dos 37 anos dos outros, mas posso falar dos meus. Uma idade em que já tenho alguma coisa para olhar para trás, e com um bocado de saúde e sorte, algumas para olhar para frente. Já passei da idade de sentir uma espécie de necessidade emocional dos outros, a necessidade emocional que tenho é de mim. Saber e perceber exatamente o que sinto e o que eu quero – sim, tenho necessidade disso.
Assim como a de fazer qualquer tipo de atividade por gosto e por prazer, seja profissionalmente, seja ao estar com amigos. “Meios amigos” não interessam, a qualidade da companhia é muito mais importante.
O grau de exigência para as pequenas e grandes coisas cresceu, aprendi a conhecer-me e, portanto, reconhecer o que mereço.
Se for para assistir a um filme, que seja bom. O mesmo para um livro, para um jantar, para uma conversa ou um café. Se for para estar apenas na minha própria companhia, que seja a sentir a brisa no rosto, o sol na pele, preencher-me com o ar a minha volta. As coisas simples tem sabor especial.
Percebi que mais do que qualquer sonho, a capacidade de sonhar é muito mais importante... até porque os sonhos já são mais espaçados, mais raros, e apenas o “próprio sonhar” já é lindo. Um sonhar que não carrega pesos nem dramas, urgências ou desesperos.
Já sei conviver com o que faz falta sem lamentar-me a cada instante por isso ou por aquilo, o dia de amanhã sempre pode trazer algo mais, desde que se continue a caminhar.
A compreensão e o respeito pelas outras pessoas são cada vez maiores, uma vez que os anos nos mostram que cada pessoa tem fragilidades diferentes das nossas e sempre podemos aprender algo novo com qualquer um – ou se não podemos ou não conseguimos, basta seguir adiante sem atritos e sem mágoas.
A família faz falta, uma falta enorme. Mas trazê-la dentro do coração é a melhor forma de estarmos sempre no nosso núcleo, no nosso centro e de nos lembrarmos sempre de quem somos.
A coragem vem mais fácil, a insegurança não conta, o drama não merece nossa atenção. A vida não é perfeita, mas pode ser (e é) exatamente a vida que escolhemos. E se por um lado não temos tudo o que queremos, podemos ser tudo que desejarmos – e isso já é mesmo muito.
A sociedade, os conceitos, os valores e etc. podem não ser do nosso gosto, podem estar um pouco desviados do que consideramos ideal, mas somos plenamente capazes de assumir o nosso papel e fazer a diferença na vida que escolhemos levar e na nossa forma de viver – e se não fizermos isso, a falha não é da sociedade, dos conceitos, dos valores e nem de ninguém, é nossa.

37 anos... gosto disso!

27 de abr. de 2016

Intervalo

Parei. Não porque pensei em parar, simplesmente o momento aconteceu.
Parei... e olhei ao redor. Para a vida que "passa", mas que agora existe. Existe e está aqui, agora mesmo, ao alcanse de mim e de qualquer um que a queira e a tome pra si.
Parei... olhei ao meu redor.
Lembrei-me de quando deixei o Brasil pela primeira vez... e pela segunda. E pela terceira, e quarta, e quinta vez.
Lembrei-me do instante em que tornei-me consciente de que já não "morava" mais ali.
Lembrei-me de quando me pus a caminhar saindo de Silves, sem saber como, para onde e nem mesmo "por quê".
Lembrei-me de que os "planos" nem sempre resultam em alguma coisa, e de que as vezes é justamente a falta deles que produz algum resultado.
Estou sem planos.
Nenhuns.
E talvez tenha isso mesmo que tenha produzido em mim esse "intervalo".
Intervalo para apenas lembrar-me... é hora de viver!

18 de mar. de 2016

Eu era uma Árvore que morreu

Sim, a bem da verdade, é preciso que se diga... Eu quis um dia ser como uma árvore, de tronco forte e raízes sólidas, que pudesse se envergar com os ventos mais intensos e ainda assim não quebrar. Quis imaginar que o inverno tornaria-me mais reclusa, para reunir forças para a próxima primavera que viesse. Eu realmente quis ser assim... quis acreditar que sendo uma árvore, teria minhas raízes tão fincadas que seria como ter os pés no inferno, mas de forma que as folhas ou minha consciência pudessem estar quase que tocando os céus. Porém, um dia dei-me conta que humanos não são como árvores, que é preciso mover-se, embora existam pessoas que consigam encontrar-se mesmo sem movimento algum. Não sou uma dessas pessoas, embora gostasse de ser. Comecei a me fazer perguntas demais, perguntas que jamais me deixariam em paz se eu não buscasse suas respostas. E a árvore que eu quis um dia ser, aos poucos viu suas raízes apodrecerem... Pouco a pouco, com a doença avançando, o tronco deixou de ser sólido, e a mais leve brisa já bastava para levar embora as folhas antes verdinhas, cheias de vida. Assim, vi-me frente a uma decisão a tomar. Eu podia continuar com meus sonhos de ser árvore, até que a doença me tomasse por inteiro e quando chegasse o próximo inverno, já não haveria qualquer vida em mim. Ou então eu poderia abandonar as raízes, o tronco, os galhos e folhas para tornar-me um fruto, uma pequena semente. Como semente, qualquer vento me levaria embora para lugares estranhos, onde talvez eu jamais pudesse germinar. Poderia levar-me tambem para um lugar de solo fértil cheio de promessas. Eu precisava escolher entre a segurança do lugar conhecido, a previsibilidade das estações e a certeza da morte ou arriscar-me a ser semente. Arrisquei. Hoje, não possuo mais raízes, tronco, galhos ou quaisquer certezas. Mas vejo aos poucos uma pequena folha, tímida, insegura e amedrontada nascer da minha casca rompida de semente. Cheia de coragem, mas ainda com o coração gelado de medo, essa pequena folha trás promessas de um mundo desconhecido, promessa de vida. Aonde a doença das raízes só acontecerá se não se cuidar dessa pequenina alma que nasce agora. E por mais que seja frio lá fora, e que não exista muita chuva, é com o coração repleto de gratidão que vejo vez por outra alguém aparecer com um pequeno regador e jogar um pouquinho de água nessa folhinha que hoje sou eu. E à esses jardineiros da vida e do mundo, todos andarilhos solitários e buscando seus próprios caminhos, eu só posso agradecer, e tentar tornar-me a árvore mais bela que eu puder, oferecendo assim toda a sombra de que eu for capaz quando o verão tornar-se quente demais. Obrigada.

(março de 2010)

1 de mar. de 2016

Caminhantes 1 - O Teatro


Caminhantes – O Teatro
A Subida na Serra

- Estás preparado Filipe ? – pergunta-lhe Tó, pondo-lhe a mão no ombro – Tens a certeza que me queres acompanhar ?
Ele não lhe responde, mas acena afirmativamente com a cabeça.
O frio estava rigoroso. Nunca faz calor durante o inverno na serra, mas todos estavam habituados a estar ali e sempre iam preparados para o frio, fazendo-se acompanhar de roupa adequada para que pudessem ficar muito tempo sem se incomodarem com o avançar da noite.
Mas esta noite tremiam de frio mesmo com toda a roupa que vestiam.  Caía uma chuva miudinha, persistente, gelada.
Sem vento e sem lua, tudo o que acontecia eram gotas de água que caíam dos ramos das árvores.
O vazio, o escuro, o silêncio.
Tó sorriu.
- Hoje vai ser uma noite especial para vocês – disse Tó para o grupo.
De meia idade, bastante magro, Tó tinha o cabelo e os olhos muito pretos. Usava um bigode com alguns pelos brancos a tatuarem a idade que já carregava.
Os olhos de um aspecto antigo, sábio, brilhavam. Era um homem respeitado, educado, e todos lhe reconheciam um mistério no sorriso. Ou alguns achavam-no um homem esquisito e guardavam-lhe distância.
Mas todo o conjunto fazia dele um exemplo a seguir, dentro daqueles que procuram respostas nos mais ínfimos detalhes da Natureza.
Era por isso que ali estavam.
Alexandra, Rui e Susana juntaram-se num abraço enquanto Filipe e Tó iniciavam a escalada.
- Da próxima vez, quero ir eu – disse Alexandra a Tó.
Com aquele sorriso, Tó voltou atrás e beijou-a na face.
- Encontramo-nos lá em cima – respondeu-lhe.
Enquanto eles se dirigiam para a base da escarpa, os restantes seguiram pelo caminho de terra batida.
Alexandra demonstrava a sua preocupação. Era namorada e vivia com Filipe, e há muito que ele se mostrava ansioso por fazer a sua iniciação.
Mas numa noite como aquela, Alexandra achava que era demasiado perigoso.
- Não se preocupem que eles ficam bem – disse Rui para as raparigas. – Vamos concentrar-nos na subida, estamos gelados, e se não levarmos um ritmo certo, vai ser difícil chegar lá acima.
- Assim seja! – diz-lhe Susana, agarrando a mão de Alexandra, sua amiga inseparável.
Alexandra, de cabelos loiros e grandes pestanas, de pele muito branca, escondia-se debaixo do gorro do seu casaco impermeável e apertava o seu cachecol .
O seu instinto apertava-lhe o peito, não conseguia entender a razão, mas nunca duvidara da sua capacidade interior de prever acontecimentos, fossem físicos ou espirituais.
De todos, Alexandra era quem mais sentia aquele lugar, embora com arrepios. Havia sido conduzida lá, havia muitos anos, por Tó.  Fora ele quem lhe apresentou o sítio com que ela há muito tempo sonhava.  Sabia por isso que Filipe estava bem acompanhado, e que não correriam riscos desnecessários, mas sentia que algo importante, e talvez fora de controlo poderia acontecer.  Mas não partilhou esta sensação com ninguém, e acompanhava os passos dos seus companheiros.
Com uma pequena lanterna de Leds a ajudá-los a desviarem-se dos buracos e pedras no meio do caminho subiam para o topo da serra.
Rui era o mais novo de todos. Com um porte atlético e um cabelo sempre muito bem arrumado, assumia-se como um guia naquele momento.
Gostava de liderar, e de certa maneira, sabia como faze-lo.
Era um homem com convicções quase neutras, entre o lado do Bem e o conhecimento do Mal. Balançava constantemente entre o contacto com estes dois lados, mas tinha no seu coração a bondade, o que fazia dele um homem sempre acarinhado.
- Tenho aqui na mochila uma garrafa de água, alguém quer? – perguntou entre passos, ao mesmo tempo em que coloca o seu braço para trás alcançando a pequena garrafa .
- Está tão fria, como se tirada do frigorífico! -  disse, bebendo apenas um gole.
O caminho que tomavam ficou em certo ponto intrasponível. O temporal dos últimos dias partiu várias árvores, e estando uma caída no meio do caminho, tiveram que parar para estudar opções.
- Não temos como passar, pessoal... – Disse Susana enquanto tentava encontrar um caminho, ladeando a árvore.  – Há muitos ramos aqui, e sem ver o que está por baixo deles podemos magoar-nos – disse.
- Cerca de 50m atrás, passamos por um desvio que apesar de ser pelo meio da floresta e não ter caminho aberto, tem saída um pouco mais à frente de onde estamos! Temos lanterna, temos pilhas, e não estamos sozinhos, podemos arriscar.
- Não sei se me agrada muito desviar o caminho, Rui – interrompeu Alexandra. – A minha vontade de ir é muito grande, mas alguma coisa me prende, e talvez esta árvore tombada seja um sinal disso.
- Sinal de quê Alexandra? De ficarmos lá em baixo e termos que esperar horas até que eles regressem? – Respondeu Rui, olhando-a fixamente. – Lá em cima temos abrigo, vamos, venham atrás de mim.
Susana e Alexandra não o acompanharam de imediato. Susana estava muito habituada a seguir os conselhos que Alexandra oferecia, estavam as duas imensamente ligadas, num tipo de relação que se uma chorasse, a outra, mesmo a quilômetros de distância lhe ligava a perguntar porque chorava. Acreditavam numa irmandade das suas almas. Mesmo que separadas, sentiam-se sempre muito próximas.
E de facto assim pareciam ser.  Até aquela noite.
- Quantas vezes já subiste por aqui Tó? – Pergunta Filipe, olhando para cima, não vendo mais do que rochas escuras.
- Mais vezes do que posso contar – respondeu-lhe. – Não receies cair, pois se começares o teu caminho no medo de não alcançares o destino, então muito provavelmente não aprenderás nada com ele ou podes até nem conseguir fazê-lo. Assim, talvez não chegues onde queres.
Filipe seguia Tó, com atenção às suas passadas e palavras em silêncio.
A chuva, que antes não incomodava, começava agora a cair com mais intensidade, e a força da água a cair não o estava a tranquilizar.   A força da chuva veio acompanhada por um nevoeiro que de tão espesso se tornava pesado.
- Agora sim – disse Tó, enquanto retira do bolso de dentro do seu casaco o seu maço de cigarros e dele retira um – Sintra está como sempre deverá estar para aqueles que a sentem : “Mergulhada numa bruma que não se dissipa”.
Depois de várias tentativas acende o cigarro, e dá vários bafos seguidos antes deste ficar completamente molhado.
Olha para Filipe, depois para o cigarro, e erguendo os seus olhos para cima, diz acompanhado de uma gargalhada:
- O único vício que me permitiram ter. – Nesse instante, o cigarro apagado pela chuva é guardado num saco de plástico que Tó guardava no bolso. Nunca, em ocasião alguma deitava lixo para o chão.
- Está na hora de continuar. – Com um gesto carinhoso, aproximou Filipe de si, e amparando-o com um leve abraço diz-lhe que têm que continuar.
Ainda não tinham começado a escalada realmente, mas o terreno já era com subida acentuada e não facilitava não terem qualquer luz para os guiar.
- Sabes Filipe – percebendo como ele já se encontrava apreensivo – muitas vezes me disseste o quanto gostarias de finalmente viveres uma experiência tua, somente tua aqui em Sintra. E aqui está. O teu dia. A tua noite. E não serás só tu. Individualmente, cada um e ao seu jeito, viverá algo hoje que mudará para sempre as vossas vidas.
- Então porque me acompanhas só a mim?
- Porque de todos eles... tu és o próximo.
- O próximo a quê? – respondeu Filipe.
- Mais logo verás. Faz tempo que me dás todos os sinais necessários sobre tuas buscas interiores e algumas dores que ainda carregas. Terás todas as respostas que precisas e que buscas na tua morte simbólica.
Tó nunca fora um homem de muitas palavras, e mesmo assim, cada frase proferida poderia ter vários sentidos, vários significados. Todos poderiam ouvir dele aquilo que pretendiam ouvir, mesmo que não fosse dito (como geralmente ocorre quando muitas vezes ouvimos apenas o quê gostaríamos de ouvir, percebemos apenas o que gostaríamos de perceber, e acreditamos no que nos é mais conveniente acreditar). Mesmo que o conteúdo do discurso de Tó fosse disperso, havia sempre quem encontrasse nas suas palavras a resposta para um determinado enigma pessoal.
Há muito tempo que ele se unira àquele grupo, para os satisfazer das suas curiosidades acerca de Deuses e Deusas, para lições de magia e aulas práticas de energias partilhadas ou qualquer outro mistério que lhes despertasse interesse. Era de facto considerado por muitos como um Mestre. Um humilde homem com capacidade de chegar fundo no pensamento daqueles que o quisessem ouvir.
Tó aproximou-se de uma enorme formação rochosa em forma de um coelho, que dissimulada pela vegetação, mesmo durante o dia só está visível para os mais atentos aventureiros com coragem o bastante para se embrenhar tão fundo na floresta.
Depois de alguns segundos, Filipe não consegue conter o seu pensamento.
- Morte Simbólica?
- Não compliques esse pensamento. Não te falo de uma morte concreta, não creio ser este o teu caminho. Tu sobrevives, deves sobreviver. Melhor, tu reorganizas e reavalias a vida conforme a sentes e de acordo com quem verdadeiramente és. Nunca deste conta, mas todos morremos várias vezes ou deveríamos nos permitir morrer e continuamos depois a viver com os significados que cada morte nos trouxe. Deixa... concentremo-nos agora.
Tó estava agora no topo da sua atenção e com olhos postos no melhor caminho a seguir para a subida íngreme quase como escalada.
- De agora em diante, tens de encarar todos os teus passos como um íman que te atrai à Terra. Um passo em falso, e tenho que te vir buscar cá abaixo.

CAPÍTULO 1


O Teatro