24 de dez. de 2019

Reflexões Natalinas


Por vezes me chega uma espécie de silêncio que obriga o tempo e o olhar a parar, mudar o foco para dentro e traz reflexões que eu não esperava.
Quanto mais realista penso que sou, mais descubro ilusões perdidas a naufragar em algum lugar dentro de mim mesma, feito pequenos barcos de salvação que de nada salvam, só se perdem.
Percebo então que dos maiores desafios que me espreitam, está a necessidade de manter o realismo, perder as ilusões, sem entretanto deixar ir a luz e a esperança que confundimos existir devido as ilusões que mantemos, e não, não é nada disso.
Difícil é perder as ilusões, abraçar a realidade e ainda assim, mantermos acesa a luz em nós da gratidão por tudo que há e que pode haver – essa sim é a luz verdadeira, que não se produz de vácuo nem de fantasias, que não se faz de falsas expectativas ou de resquícios de sonhos da criança que já fomos um dia. Mas sim, podemos manter viva a criança em nós, que se contentava e satisfazia pela realidade que sentia e não pela realidade que ansiava. Que desafio!
Que urgência de consciência e amadurecimento é necessária para deixar cair por terra as expectativas e ilusões e alimentar-se da beleza que se conseguir perceber da realidade existente!
Tomar a consciência cortante do que existe agora e é real, sem colorir o que por si só possui a cor que possuir – e satisfazer-se com a cor existente. Tomar assim, dessa forma lúcida e clara, as escolhas possíveis e concretas, baseadas no real e não nos desejos ou esperanças; encontrar o encanto maior dentro das possibilidades existentes de escolhas e alternativas e assumir a responsabilidade por tudo que depende de nós ser feito ou alterado, com a visão límpida e objetiva de que tudo o que sonhamos, fantasiamos e esperamos é apenas projeção e desculpa para nos distanciar daquilo que realmente está em nossas mãos fazer, transformar, realizar.
Que tamanho equilíbrio e lucidez se fazem precisos para diante da verdade, conseguirmos ainda encontrar a chama vital que nos permite iluminar a nós mesmos e todos que temos por perto.
Que tamanha força e coragem temos que ter para verdadeiramente nos olharmos diante do espelho de nós mesmos e sem desculpas, justificações, culpas ou carências, assumirmos a vida que temos e o poder real que temos de transformá-la. E inclusive, perceber que podemos escolher não transformar coisa alguma, mas conscientes de que assim não temos ninguém mais para responsabilizar ou culpar para além de nós mesmos.
Tantas vezes pintei-me com as cores que eu queria ter, poucas foram as vezes que aceitei minhas próprias cores. Que difícil é gostarmos e aceitarmos o que vemos nós, mas como mudar seja o que for, se nem nos vermos com verdade conseguimos?
Para qualquer caminho, para qualquer passo e para qualquer destino que quisermos, há algo que se deve saber inteiramente em primeiro lugar... onde realmente estamos.

10 de dez. de 2019

...


Nos vemos, sem nos vermos…
Falamos, sem falarmos…
O ir ver se está, quando não se está…
Picos altos, onde entre um “ir ver” e outro, nem sequer deixa que 5 minutos passem…
Um pensamento contínuo, que por vezes torna-se cortante…
Um passar dos instantes, que intuímos, serão o passar das horas, e dos dias…
Um tentar acalmar o que não se acalma, um tentar deixar passar o que não passa…
Um tentar convencer-se de que não é nada… que não há de ser nada… que o tempo cura, esfria… faz esquecer.
Esquecer o que não se esquece, fingir que se ignora aquilo o que se sabe, fechar os olhos para aquilo que os olhos não conseguem deixar de ver…
Passarão as horas, passarão os dias, passará o tempo. Ainda não passa, ainda segura-se, acorrenta, esmaga, tortura, fere, faz a angústia espremer as artérias, faz a cabeça doer, faz o sono não chegar, faz a irritação querer gritar, faz os passos teimarem em correr…
Ando de um lado para o outro, para onde olhar, se nada mais consigo ver?
Deixo passar o tempo, que não passa…
Tento resignar-me, eu… que não sei o quê isso é…
Tento conformar-me…
Tento acomodar-me…
Tento esquecer…
Tento deixar que o tempo passe, tempo que não passa, que não quero deixar passar, que violento o mais sagrado de mim e de minha alma a tentar deixar que passe…
Então eu paro. Obrigo-me. Que escolha tenho? Nenhuma… … Uma… … deixar que o tempo passe…

6 de dez. de 2019

Realismo


Há pouco, vi meio sem querer uma foto. É engraçado como algumas pequenas coisas que vemos ao acaso tem o poder de nos fazer parar e realinhar as coisas dentro de nós.
O que vi não retrata necessariamente qualquer realidade, uma vez que há universos e mundos escondidos por detrás das aparências, mas fez-me realmente parar e refletir.
Refletir sobre mim mesma, as coisas que prezo e considero fundamentais na vida, sobre meus caminhos e minhas escolhas, minhas consequências e preços que me disponibilizo a pagar para manter preservados meus próprios valores.
Me dei conta de que atualmente o aceitável é a mentira, enquanto que tornou-se condenável a verdade. Poucos são os que recebem de braços abertos a verdade das coisas, são inúmeros os que optam pelos caminhos tortuosos das diplomacias e do tato, que escondem, manipulam e deixam sujeitas às interpretações as verdades mais profundas.
Me dei conta que basta alguma ligeira desatenção, e me vejo emaranhada em histórias e contextos que não são os meus, sujeitando-me às dúvidas e incertezas que não são as minhas, aos conflitos e dilemas que não me pertencem, às comodidades de alma que não quero, às zonas de conforto que repudio. Bastou ver uma foto, e naquele instante, antes de colocar em seus próprios sítios os meus próprios sentimentos, o primeiro instinto que tive foi o da serenidade, da paz e da harmonia que desejo aos outros.
Foi desejar com toda a sinceridade da minha alma, a pacificação dos aflitos, a recuperação dos ressentidos, a verdade mais profunda e absoluta para aqueles que não aprenderam ainda a valorizá-la.
Nem sempre os finais serão como desejamos, nem sempre a vida será tão cor de rosa quanto gostaríamos, mas não haverá nunca e com toda a certeza, a felicidade oculta em enredos, falsas verdades, interpretações dúbias ou no falso consolo das palavras mansas que nada são para além de uma diplomacia escondida atrás da desculpa da fraqueza ou da mediocridade.
A verdade é dura, porém limpa. Pode ser cortante, porém libertadora. Pode doer, porém, é a única forma de libertação rumo à verdadeira felicidade e essência do ser.

23 de nov. de 2019

Vocês


Demorei muitos anos para me entender. Ainda não consegui entender muita coisa de mim mesma, e quando parece que chego mais perto, descubro que falta ainda um longo caminho para percorrer.
De todas as minhas perguntas sem resposta, uma sempre me inquietou e desassossegou mais: “Por que tive que vir para tão longe? Por que continuo?”
Em momentos assim, parece ainda mais difícil encontrar uma explicação, um sentido, uma resposta.
Então poucos dias atrás escutei vindo de algum lugar de mim mesma a comparação: “o que é necessário x o que é importante”, e me fez todo o sentido do mundo.
Importante, não há dúvida nenhuma: são as pessoas que amo, vocês. E nada é mais importante que isso.
Mas o necessário foi e é outra coisa: Refazer e fazer a minha vida.
Custa e vai custar muito, sempre, que as duas coisas não consigam estar em equilíbrio e não signifiquem o mesmo espaço e o mesmo lugar, mas a verdade é que não significam. Dentro de mim, há um grito constante que me pede para aprender sempre mais, para descobrir minhas próprias capacidades, força, a me desafiar e a criar de alguma maneira um caminho feito por meus próprios pés e escolhas, e é uma chatice tremenda sentir essa urgência, essa necessidade… que me faz não descansar no amor e no colo de vocês deste desassossego tão grande e constante.
E também há um sentimento de culpa sorrateiro, que volta e meia me assombra e sussurra a me perguntar porque tem que ser assim. Não sei, não sei porque é que tem que ser assim. Eu queria que não fosse, de verdade… Mas é.
E então percebo que é impossível fazer com que o necessário e o importante signifiquem a mesma coisa. Vocês jamais deixarão de ser a parte mais importante da minha vida, ou de mim. Não importa quantos desafios, força ou capacidade eu desenvolva. E nem deixa de ser necessário que eu siga um caminho que me ponha à prova, que me desafie a encontrar dentro de mim mesma o conforto e sensação de auto-realização que só este caminho fora do aconchego e da zona de conforto consegue provocar.
Encontrei alguma paz ao perceber a diferença entre o importante e o necessário, ainda que me acompanhe o peso de não ter comigo lado a lado, dia à dia, o importante: vocês.
Sem dizer o quanto me custa não estar aí agora, sem me fazer de vítima por minhas próprias escolhas, só o que consigo saber e responder para mim mesma é que sempre o mais importante para mim estará em vocês.

19 de out. de 2019

Fui navegar


Fui navegar…
Não trouxe comigo muitas e nem grandes coisas, deixei de propósito as malas para trás. Não havia nem há necessidade de carregar excesso de peso ou de bagagem.
Fiz questão de deixar também para trás as lembranças, algumas custaram mais para deixar, mas por vezes só através do esquecimento é que se consegue seguir…
Fui navegar, não sabia para qual espécie de mar e não achei importante conferir a previsão do tempo, que fosse o tempo que tivesse que ser.
Também não preparei mapas ou datas, não tinha nem tenho um cronograma para seguir, fui apenas navegar.
Faz já alguns anos…
Faz já algum tempo, que saí para navegar. O barco nem sempre esteve presente e por algumas vezes, tive mesmo que simplesmente aprender a nadar.
A bagagem que não carrego fiz bem em não carregar, o mapa que não tenho fiz bem em não seguir… Os cronogramas, fiz bem em não me aprisionar.
Fui apenas navegar…
E conforme abriu-se diante de mim o mar, e conforme não sei e nem sabia ler as estrelas e nem me orientar, fui apenas me deixando levar.
Fui navegar… e com o passar do tempo que não soube medir, conforme as águas que eu não soube identificar e as tempestades que apenas vi passar, deixei de ser navegante… deixei de ter barco… tornei-me mar.

2 de out. de 2019

Não me recordes do futuro

Ainda é presente,
Ainda não acabou.
Segura, segura com todas as forças o tempo,
Não deixa o tempo correr, não deixa o tempo passar...
... Mas se não passa, não chegará o momento... e não nos encontraremos...
Melhor não nos encontrarmos?
Melhor o tempo passar... ou não passar?
Calma, ainda é presente...
Calma, ainda não nos encontrámos...
Calma...
Mas não, tu não me recordes do futuro,
Que ainda nem sequer nos encontrámos,
Como poderemos nos despedir?
Ainda é presente...
Não me recordes do futuro...
Ainda não nos encontrámos.

22 de set. de 2019


E então eu simplesmente compreendo
Porque um dia tudo o que quis foi compreender,
E não importa se algo está doendo
Se o ganho futuro for maior que o quê se perder.
Importante é não haver nenhum julgamento
É deixar que entre para quem pode, a felicidade,
Porque a vida não deve ser nenhum tormento
Nem deve haver espaço para qualquer falsidade.
Se há, em algum lugar, chance para o equilíbrio
Que não seja nunca eu causa de turbulência,
Ainda que me sobre algum martírio
Sou do tamanho de minha consciência.
Que seja o mundo inundado de alegria
Que vivam os olhares cheios de energia,
Que vibrem os corações de euforia
Que prevaleça na vida a pura magia.
Eu, eu não preciso de quase nada
Basta o sol, o vento e a lembrança,
Bastam meus pés e alguma estrada
Que eu já não preciso de esperança.
Me basta a força de poder caminhar
Que o caminho faço só mesmo a andar,
Não preciso mais ter em que acreditar
Não preciso do sonho, para poder acordar.
E que no trajeto eu possa apenas semear
Coisas boas, singelas… para alguém colher,
Quem sabe alguém também se inspire a plantar
E assim o mundo será muito mais belo de viver.
Que sempre existam sorrisos, mesmo que eu não os possa ver
E que sempre exista amor, mesmo que eu não o possa sentir,
Que sempre o melhor da vida se possa escolher
Mesmo que seja eu quem tenha que partir.

5 de set. de 2019

Interrompido


Não há potencial maior que o potencial que reside no inesperado,
Nem beleza mais profunda que aquela que habita na simplicidade.
De desconhecido, passa-se num instante à mais que desejado,
E do encontro improvável faz-se de repente o buraco da saudade.

Pouco à pouco fica perdida a pergunta sem resposta no tempo,
Fica pendente o que poderia ter sido um apertado laço.
Leva o infinito as lembranças nos braços do inexorável vento,
Perde-se em penumbra o que foi um sincero abraço.

Linhas que escrevo sem pensar, em memória ainda presente,
Palavras que flutuam sem saber se são gratidão ou lamento.
De que importa o amanhã, se deprime o que agora se sente,
De que vale a negação senão para tornar-se tormento?

Não importa, uma vez que toda escolha é sempre válida,
Uma história que se vive, ainda que não seja bem acabada.
Uma lembrança que será enquanto viva sempre cálida,
Ainda que em páginas perdidas em uma gaveta fechada.

15 de ago. de 2019

Farol



Eu não sabia. Não sabia nada de nada. Mas seguia… Sigo. Sigo sempre, mesmo sem saber bem para onde, ou por quê.
Então feito presente, feito surpresa e feito susto pouco a pouco uma Luz surgiu.
Dos meus medos, sempre tão grandes, surgiu a dúvida se seria mesmo Luz ou se seria imaginação.
Ainda sonho? Ainda espero? Ainda acredito? Não sei…
Não sei se foi a Luz ou se foi a ideia da Luz que me despertou, mas despertou.
E desperta, lembrei-me do instante em que escolhi arriscar o tudo pelo nada, já anos atrás, e de como nunca foi o resultado disto o mais importante, e sim todo o trajeto que fiz e a pessoa que me tornei.
Agora a Luz, a ideia da Luz ou a lembrança de Luz me fazem lembrar que tudo se pode, quando se tenta… quando se arrisca acreditar mesmo naquilo que não conseguimos ainda ver.
(E como eu queria partilhar o conhecimento interior, verdadeiro e inequívoco do saber que se há espaço para pensar, há espaço para fazer. Mesmo que não seja o que pensamos, mesmo que o destino acabe noutro sítio, mesmo que o fim não seja aquilo que pensamos, o caminho nos dá sempre mais e melhor do que o destino que imaginamos… porque nos devolve à nos mesmos de uma maneira que jamais poderíamos sequer pensar.)
E assim, de olhos meio abertos e meio fechados, como matéria que também sou, tomo consciência de que não sei se é a Luz ou a ideia da Luz que me move, só sei que me move… e me faz mover.
E tudo nos seus lugares (que são lugares nenhuns e incertos – e certos por assim serem), olho em frente e vejo um abismo que nem sei quão profundo é, nem quão longínquo está. E só o que sei, e sei com toda a certeza de cada poro e de cada célula em mim, é que é hora de saltar.
E que o destino seja o que tiver que ser, já que o que dá asas é o próprio saltar.

14 de abr. de 2019

40!


Antes de virar mais um ciclo há que se ter a lembrança da coragem de outrora, da vitalidade e da força que já existiram e assim, meio “à maluca” e meio que para lembrar-me de mim e de que não basta as vezes sonhar e querer, mas sim há que mover-se, faço uma nova versão do que foi feito a quase exatos 10 anos atrás.

10 anos atrás fui para o abraço da minha irmã, cruzando o Atlântico. Antes, tomei a coragem para desafiar-me a estar comigo (possivelmente pela primeira vez), amparada pela certeza do abraço e pela vontade de me descobrir.

Agora, sabendo que o mesmo abraço me espera, 10 anos depois tomo a coragem para ir (mesmo que assim, rapidinho) cruzar o Mediterrâneo.

Nada demais, visto como quem vê os caminhos que se fazem sempre acompanhados. Um pouquinho de frio no estômago, quando o que te leva são só os seus próprios pés e descobertas.

No fim o abraço que se vai ter serve muito mais do que uma recompensa, serve de estímulo para que eu possa lembrar-me de quem sou.

(Quem sabe até troco o caminho com meus pés por caminhos à camelo :P)



15 de abr. de 2018

Agora


Suponho que será agora assim para sempre. Haverá dias em que o silêncio será um silêncio diferente, mais agudo e mais profundo do que todos os silêncios de antes.
Dias em que haverá uma memória calada e constante, em que sussurros baixinhos falarão no silêncio tudo o que o silêncio não ousa dizer. Suponho que agora será assim, dias assim, para sempre.
Em que uma companhia invisível vai fazer-se presente , e a saudade vai falar em palavras silenciosas tudo o que a voz não sabe dizer, nem a voz e nem nada que se iguale.
É de dentro, vem de dentro, e não vai mais embora, vai ficar e vai fazer companhia sempre, alguns dias que outros.
E quando alguma coisa for particularmente difícil, vai ecoar mais alto, mais fazer-se uma companhia mais presente – um lembrete das coisas que importam e de como é necessário seguir adiante. Não necessariamente para algum lugar, apenas adiante.
E qualquer dor ou mágoa que se faça presente por qualquer outro motivo, vai encontrar assim uma porta de saída, e vai desaguar tudo o que de outra forma não saberia desaguar.
Suponho que agora será sempre assim, alguns dias mais, outros menos, mas algo permanete, sempre ali, à espreita e perto, sempre uma companhia, sempre um lembrete, sempre uma presença. E antes assim, pois é uma presença que faz lembrar das coisas que realmente importam, e importarão sempre.
Saudade.

18 de mar. de 2018

Troncos & Raízes

Sim, a bem da verdade, é preciso que se diga... Eu quis um dia ser como uma árvore, de tronco forte e raízes sólidas, que pudesse se envergar com os ventos mais intensos e ainda assim não quebrar. Quis imaginar que o inverno tornaria-me mais reclusa, para reunir forças para a próxima primavera que viesse. Eu realmente quis ser assim... quis acreditar que sendo uma árvore, teria minhas raízes tão fincadas que seria como ter os pés no inferno, mas de forma que as folhas ou minha consciência pudessem estar quase que tocando os céus. Porém, um dia dei-me conta que humanos não são como árvores, que é preciso mover-se, embora existam pessoas que consigam encontrar-se mesmo sem movimento algum. Não sou uma dessas pessoas, embora gostasse de ser. Comecei a me fazer perguntas demais, perguntas que jamais me deixariam em paz se eu não buscasse suas respostas. E a árvore que eu quis um dia ser, aos poucos viu suas raízes apodrecerem... Pouco a pouco, com a doença avançando, o tronco deixou de ser sólido, e a mais leve brisa já bastava para levar embora as folhas antes verdinhas, cheias de vida. Assim, vi-me frente a uma decisão a tomar. Eu podia continuar com meus sonhos de ser árvore, até que a doença me tomasse por inteiro e quando chegasse o próximo inverno, já não haveria qualquer vida em mim. Ou então eu poderia abandonar as raízes, o tronco, os galhos e folhas para tornar-me um fruto, uma pequena semente. Como semente, qualquer vento me levaria embora para lugares estranhos, onde talvez eu jamais pudesse germinar. Poderia levar-me tambem para um lugar de solo fértil cheio de promessas. Eu precisava escolher entre a segurança do lugar conhecido, a previsibilidade das estações e a certeza da morte ou arriscar-me a ser semente. Arrisquei. Hoje, não possuo mais raízes, tronco, galhos ou quaisquer certezas. Mas vejo aos poucos uma pequena folha, tímida, insegura e amedrontada nascer da minha casca rompida de semente. Cheia de coragem, mas ainda com o coração gelado de medo, essa pequena folha trás promessas de um mundo desconhecido, promessa de vida. Aonde a doença das raízes só acontecerá se não se cuidar dessa pequenina alma que nasce agora. E por mais que seja frio lá fora, e que não exista muita chuva, é com o coração repleto de gratidão que vejo vez por outra alguém aparecer com um pequeno regador e jogar um pouquinho de água nessa folhinha que hoje sou eu. E à esses jardineiros da vida e do mundo, todos andarilhos solitários e buscando seus próprios caminhos, eu só posso agradecer, e tentar tornar-me a árvore mais bela que eu puder, oferecendo assim toda a sombra de que eu for capaz quando o verão tornar-se quente demais. Obrigada.

27 de dez. de 2017

Partidas

Podem dizer muita coisa certa, confortar com muita explicação lógica, confortar espiritualmente nossos corações em pedacinhos...
Mas eles foram cedo demais.
Poderiam até ter chegado até aos 200 anos, e ainda assim, teriam ido cedo demais...
Só não foram cedo demais por causa da dor. Boas pessoas não deviam sofrer. Pessoas assim tão amadas, não podiam ter que lutar sozinhas essas lutas em que todos os outros (nós) nos tornamos tão impotentes.
Não podia não. Devia ser proibido.
Eles foram cedo demais, ainda que tivessem vivido pra sempre. Ainda teria sido cedo demais.
E então, na revolta dessa partida injusta, pensando na natureza que é sábia e transforma, pensando no amor que é a força mais poderosa do universo, dá para saber que a injustiça não cabe em lugar nenhum, então tudo isso simplesmente "não encaixa".
Estamos vendo errado.
Não existiu essa partida, essa despedida, essa separação. Não existiu porque não combina com o que sabemos dentro de nós, com nossas mais absolutas certezas.
Ninguém sabe mais do que os sentimentos que sentimos.
Ficaram invisíveis. Nossos heróis ficaram invisíveis... Só mais um super-poder, entre tantos outros.
Deste super poder não precisamos nem podemos gostar... mas foi isso...
Só mais um super poder.
Que lhes permite estar em todos os lugares, ver o que não conseguimos ver (exatamente como acontecia quando éramos pequenos), saber o que ainda não sabemos.
O amor é a força mais poderosa do mundo... e no amor, eles agora só ficaram invencíveis, como sempre foram aos nossos olhos. Agora, também contra qualquer dor ou doença.

19 de dez. de 2017

Despedida

A realidade é um pouco diferente agora. Caixas, empacotamentos, lembranças embaladas, memórias carregadas. Pedacinhos à serem transportados de uma vida inteira, que se espalha e multiplica pelas pessoas de valor e mérito. Muitas participam, muitas recolhem-se a observar. Levo lições importantes de uma semana repleta de aprendizados, conclusões e sentimentos. Tantos anos sem mudar para depois aprender a arte da mudança, para poder estar aqui agora e fazer o que estou fazendo. Com o coração repleto destes aprendizados recentes, conclusões e sentimentos, sinto-me grata pela chance dessa despedida prolongada  e silenciosa, desse esvaziar de um etapa que tinha começado assim mesmo, com um apartamento vazio, eu e você. O apartamento vai ficando vazio e já não está você, que espalhou-se pelo mundo, encantando, inspirando e voando por esse Universo que desconheço ainda. Fico eu, para fechar a porta e dar por encerrada essa etapa, enquanto corro para o abraço dos que ficaram, enchendo-nos nós, uns aos outros, do amor que você nos deixou.

15 de dez. de 2017

Receita para uma vida feliz

O que faz uma vida feliz? Sorrisos, amor, afetos, amizades, saúde, família, amigos, valores, princípios. Tanta coisa, tanta coisa boa!

Felicidade é ao ensinarmos, ao abraçarmos, ao transmitirmos afeto e exemplos, sabermos do que falamos, do que mostramos, do que aplicamos em nossas vidas.

Pensar que ao ensinarmos um filho, realmente aplicamos em nós este saber. Sentir, no mais fundo do nosso ser, que falamos o que praticamos, e mais do que nossas palavras, estamos deixando nosso exemplo, nossa verdade mais íntima aplicada e praticada.

Ter perdido a presença física do meu pai me fez perceber e valorizar ainda mais as verdades sempre ditas, os fatos sempre claros, os exemplos de pessoa e de valores.

Então, quando vejo e percebo tantas coisas à minha volta, é do meu coração a voz que me diz com clareza, sensatez e equilíbrio mais ensinamentos ainda...

Quando forem falar do valor e da importância da família, pensem se a palavra que vocês dão é cumprida. Se as promessas são honradas. Ou não falem nada. Um exemplo falso é muito pior do que exemplo algum.

Quando forem ensinar ou dizer que a mentira é errada, pensem se não há mentira dentro de vocês.

Quando forem falar de uma pessoa, seja mal ou seja bem, pensem se essa pessoa gostaria de ouvir o nome dela saindo de vocês. A hipocrisia é sempre muito mal vista.

Quando forem festejar, ou jantar fora, ou passear, ou comprar um livro, um brinquedo, um café, se as suas dívidas estão todas pagas, se moralmente se tem realmente aquilo se gasta. Uma falsa moral é ainda pior que moral alguma, um exemplo falso é muito pior que exemplo nenhum.

Quando forem falar de amor, pensem se sabem honrar este sentimento. Ou não digam nada.

Quando forem falar em saudade, pensem se souberam usar os instantes que tiveram.

A receita para uma vida simples é fácil. Mas há que se ter dentro de si mesmo a verdade para saber usufruir da felicidade. Ou é apenas ilusão, apenas mais um exemplo falso, que é sempre muito pior que exemplo nenhum. A felicidade verdadeira é leve, é livre, não julga e não carrega culpas. Liberta.

24 de nov. de 2017

Papai - por Ana Luiza (Agapito) Baumann

A perda foi grande e, apesar de ser já há muito tempo anunciada, ainda é dificil de acreditar que aconteceu.

Meu pai foi uma pessoa impar. Nosso relacionamento foi intenso, tanto pra um lado quanto pra outro, até encontrarmos a harmonia, um compreendimento do outro, a admiração, o respeito e aceitação de que só um grande amor é capaz.

Tenho tantas lembranças. A infância tão feliz mas também a adolescência tumultuada, a maturidade que alcancei na marra, ou na marretada mesmo...tantas lições, tantos erros e acertos, encontros e desencontros...mas que como ele mesmo me disse em uma de nossas ultimas conversas 'nada há do que se arrepender, o que vivemos nos tornou o que somos e acho que valeu a pena'.

Ele viveu da maneira que acreditava ser a melhor pra ele, passou por altos e baixos, mas sempre foi consequente com a própria consciência. Não se deixou corromper por relacionamentos falsos, fosse por aparência, conveniência ou interesse. Foi autêntico e como espirito livre que era, escolheu a maneira que queria deixar esse mundo. E foi.

E eu admiro ele ainda mais por isso.

Vai deixar muita saudade mas, o que devia ser um buraco, está surpreendentemente preenchido por lembranças, demonstrações de amor, coisas de uma vida inteira e que eu venho dia a dia redescobrindo, relembrando, acariciando.

Não vou guardar mágoas nem rancor de ninguém, quero com isso ajudar e de alguma forma proteger essa partida. Quero que seja leve, desprendida, plena. Que ele possa se amalgamar com o maior amor em dimensões que eu ainda não compreendo, mas que pressinto um dia tambem vou poder mergulhar.

Tudo isso me faz lembrar de um dos primeiros livros mais filosóficos que eu e minhas irmãs lemos, ainda meninas, não sei mais se dado por meu pai ou minha mãe; Ilusões, de Richard Bach, o autor de Fernando Capelo Gaivota...outro livro que marcou nossa infância e carater.

Para terminar essa despedida uma frase desse livro que escrevi em muitas agendas e páginas de caderno, e que já na época de escola me tocava profundamente. Gosto de imaginar que meu pai teria me murmurado ela com um sorriso se eu estivesse ao lado dele no momento da transição: "o que a lagarta chama de fim do mundo, o mestre chama de borboleta".

Vai com Deus pai. Boa viagem. Da sua filha Ni.
  24.11.2017

18 de nov. de 2017

Pai

Me sentei aqui no chão, entre a casa e a montanha de pedras, com minhas costas voltadas para o sol e meus olhos para o campo. Me lembrei das vezes que você ia sem camisa se sentar no terraço para apanhar sol, a sua "praia" particular, e que você dizia que isso fazia bem - apanhar sol nas costas.

Na verdade, não sei o que mais eu posso fazer agora para além de estar assim, calma, apanhando este sol nas costas. Estou mesmo muito calma, serena, aliviada pela poupança de dor e em paz de espírito e consciência, grata por tantas coisas boas e momentos, por uma partilha inexprimível.

Mas estou também com o coração apertado, sentindo uma tristeza saudosa que eu sei, vai ficar sempre. Às vezes vai apertar mais ou vai apertar menos, mas fica.

Engraçado como ao mesmo tempo, me vejo agradecendo por todas as novas tecnologias que me permitem lembrar momentos e conversas através de fotos, áudios, emails. Tantos e tão bons! Quem dera fossem ainda mais, apesar de serem inúmeros.

Os passarinhos cantam, os cachorros brincam, um vento muito fraco faz algumas folhas e galhos balançarem e existe mesmo muita serenidade e paz, existem lembranças muito boas e fortes dos abraços, dos risos e das conversas.

Poucas horas atrás eu estava a dizer sobre como sou afortunada. Mesmo agora... com essa tristezinha no peito, que bênção e que fortuna é este conforto que carrego de tantas coisas para lembrar e sentimentos para sentir.

Mesmo longe, a união entre todos nós, o amor tão imenso e incondicional que nos faz estar nos abraços uns dos outros mesmo quando estão invisíveis os braços.

Queria poder chorar no seu colo e no seu abraço, e eu sei que você queria também. Aí sinto bem forte que na verdade (essa verdade que é invisível mas concreta), eu choro sim no seu abraço, e você sim, me conforta.

Estamos todos juntos. Sempre.

11 de out. de 2017

Verdades

A ilusão é pensar que basta uma verdade superficial para ser "diferente". Poucos são aqueles capazes de partilhar as verdades incômodas.

E uma coisa é facto: Verdades "bonitinhas", superficiais e hipócritas interessam-me nada.

"Sonho com um amor em que duas pessoas compartilham uma paixão de buscar juntas uma verdade mais elevada. Talvez não devesse chamá-lo de amor. Talvez seu nome ideal seja amizade." - (Friedrich Nietzsche)

29 de set. de 2017

Não me ames

Não me ames, que enquanto não houver amor há de haver verdade. Enquanto não me amares, poderás ver a mim ao invés de teres os olhos fechados por tuas necessidades e desejos.
Não me ames, não estragues com ilusões a verdade que a razão trás. Não me queiras, não me desejes e nem precises de mim. Enquanto formos nós mesmos, poderemos ser tudo e assim nos complementarmos.Não queiras me amar com intensidade, com urgência e sem medida, que isso são necessidades de um coração vazio e não amor de verdade.Não me queiras como um mar revolto em sua vida, que isso só significa naufrágio. Não deixes que os buracos abertos, que as feridas que ainda sangram te façam me amar, que isso é tapar buracos com areia que qualquer vento leva.Prefiro que não me ames nunca, não me queiras nunca, não precises de mim nunca, assim sempre serás tu e não um pedaço de ser humano carente de mim. E gosto e respeito te demais para te querer sendo qualquer outra coisa que não tu mesmo.Não te deixes levar pela vontade de sentir as pernas trêmulas e pelas noites sem conseguir fechar os olhos, não, não me ames nunca.É por não me amares que com mais ternura me amas.Há muito mais verdade no teu não amar do que em qualquer frase de amor que me pudesses dizer.Enquanto não me amares, não me vou assustar, não vou temer nem fugir. Enquanto souberes quem és e quem eu sou, as coisas estarão em seus devidos lugares sem que existam coisas não nossas pelo meio.Enquanto não me amares, sei que é com a tua essência e com a tua verdade que me amas, e então não há necessidade de mais nada, só do que aquilo que de fato já há.É por não te amar que te amo com maior verdade e ternura.

25 de set. de 2017

Teoria das espécies do Amor

Um texto irônico, pretensioso, arrogante e não claramente infundado.

Faz alguns anos cheguei à conclusão de que o amor é uma escolha. Pode parecer estranho, mas através do meu ponto de vista sempre há um ponto, às vezes bem no princípio de tudo, onde há mesmo nitidamente uma escolha sobre o que um dia pode se tornar amor.

Pode ser bastante sutil, quase imperceptível, mas está lá em algum lugar o instante em que escolhemos ou não avançar, em que escolhemos ou não pensar, escolhemos ou não dedicar tempo (e espaço) para alguém em nossas vidas; “Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez ser tão especial para ti” – já escreveu Exupery.

E não há como negar nossa natureza humana, uma mistura de tantas coisas e entre tantas, um bocado de curiosidade, de apreço ao risco, de ego, apego e etc. e tal e... voilá! Escolha feita (consciente ou não).

Claro que às vezes pode dar certo, e que acontece de que podem entrar outras motivações (mais nobres) à mistura do que é a natureza humana, pois também faz parte de nós o afeto, o carinho, a compreensão e mais etc. e tal.

Seja por gostar demasiado de analisar e criar teorias, seja por uma base biológica de formação ou por um acaso qualquer, vejo diversas coisas (traços de caráter, comportamentos, raciocínios e principalmente sentimentos) como espécies. Espécies como as espécies do reino animal ou vegetal, pertencentes à uma classe, reino, (espécie) e família. Há desde as que podemos considerar mais “nobres” ou “evoluídas” até aquelas que menos parecem ter importância ou “evoluído menos”. E pronto, aí chega uma teoria conspiratória “biológica”: - Quem é “melhor”, as espécies mais “novas” que sofreram processos evolutivos ao longo do tempo para que se adaptassem melhor ao meio que as cerca ou por exemplo, o crocodilo, que evoluiu “pouco” por já estar consideravelmente “bem-adaptado” e sem tanta necessidade de evolução? Pode aí entrar uma outra pergunta (várias na verdade, mas vou por partes): Se é o meio que nos cerca que determina a necessidade ou não da evolução, um meio contaminado é capaz de gerar uma evolução que seja positiva não em termos de adaptação, mas em termos de humanidade e princípios?

Se em termos mais gerais a evolução mais classificada e analisada é a física, metabólica, anatômica e genética, em termos mais “espirituais” como se classificaria a evolução e qual a significância da adaptação ao meio para o processo evolutivo – ou, justamente nesse aspecto, a evolução seria o crescimento independente da necessidade de adaptação ao meio e sim a evolução “para além” da necessidade de adaptação?


O curioso da formulação destas perguntas é a possibilidade de respostas, e ainda, o facto (ridículo, se poderia dizer) de que estas perguntas capazes de criar uma tese e aprofundar ainda mais teorias (carentes de corroboração) deu-se pela constatação de que seria (para mim, neste instante) muito mais fácil lidar com uma ausência total e sem vestígios de uma determinada “espécie” do que com os registros de existência da mesma. Resumindo ainda mais e concluindo: A evolução dá trabalho e a preguiça faz parte da natureza humana.

Nota: Mas antes, no princípio do texto, eu falava em escolhas... que o amor, por exemplo, seria uma escolha. Se existem diversas formas de amor e sendo o amor uma escolha, resta saber no processo evolutivo qual a espécie que melhor se adapta ao "ser" de cada um, ou mais diretamente, às motivações de cada um - e da natureza de cada um. Quanto à minha natureza, ainda estou a tentar perceber a relevância da preguiça, que consideraria "mais fácil" lidar com a ausência absoluta do ser e de vestígios do ser do que com a possibilidade da necessidade de um esforço evolutivo (ou adaptativo).