24 de jun. de 2012

Estar pronto





Dois coelhos indefesos, numa toca que aparentemente não dava toda a proteção que deveria. Não somos nós exatamente assim, indefesos no meio de um mundo que as vezes pode ser tão hostil? A pensar nisso, cheguei a conclusão de que o mundo é muito menos hostil do que podem ser as próprias pessoas umas com as outras, tantas e tantas vezes.

Já não precisamos nos preocupar com predadores naturais, nem precisamos lutar para construir cavernas que nos protejam do frio do inverno. Nossa luta é para ter o suficiente que nos permita ir ao mercado comprar comida, e ter algum teto sobre a cabeça. Mas sempre lutamos por mais, sempre queremos mais, e acabamos muitas vezes por devido a isso, tornarmo-nos hostis uns com os outros – já não sei “em nome de quê”.

Sem interferir com os planos e escolhas da natureza, foi com apreensão que fiquei a espera do desfecho da história desses coelhos tão pequeninos, até que quando sentiram-se ambos prontos, simplesmente um dia abandonaram a toca e foram viver suas vidas.

Tiveram o apoio da mãe que mesmo nunca tendo se deixado apanhar nem mesmo para uma foto, esteve presente a garantir o alimento, a proteção, o abrigo e o que mais tenha sido necessário. Em determinado instante, os coelhos estavam prontos para os riscos do mundo desconhecido – e foram-se embora.

Existem animais assim, que assumem o risco do que pode ser hostil sem que por isso tornem-se hostis também. Mantem de alguma forma um interior “intacto”. Não sei bem se é mesmo assim, mas gosto de pensar que sim.

Tambem gosto de pensar que somos capazes de fazer o mesmo, não importa o quanto a vida ou o mundo já tenha sido hostil conosco. Preservar nossa essência, coração e alma intactos também é uma escolha que podemos nos dar o direito de ter. E a beleza de acreditar.

Ainda que surjam predadores e perigos que levem a finais menos felizes, o realmente importante parece-me que está na tentativa. Talvez os dois pequenos coelhos já nem estejam mais a saltar por aí ou talvez estejam mais felizes e livres do que posso eu supor. Não me parece importante... Importante é eles terem tido o necessário para ir, para tentar, para viver.

22 de jun. de 2012

Ir não é chegar


Gosto muito do pensamento que me fez escrever um dia que “o erro mais comum dos seres humanos é acreditar que ir já é chegar”. As vezes, quando queremos muito alguma coisa, ou quando nos deparamos com decisões difíceis a tomar, cometemos esse erro de acreditarmos que após ultrapassado o primeiro (ou primeiros) obstáculo (s), já atingimos o ponto de chegada para aquilo que desejávamos.

Seria bom se fosse assim? Mais fácil pelo menos de certeza que seria, mas se seria melhor eu realmente não sei... Não existe uma lição que não nos leve à outras lições, não existe caminho que realmente valha a pena ser percorrido que não nos possibilite novos passos. Viver é aprender, é crescer, é nos transformarmos na pessoa que nosso potencial latente tornaria possível para nós, ser.

Do futuro, do amanhã, das idéias, sonhos e dos planos, o que sei eu? Nada, a não ser das sementes que planto. Germinarão? Se tornarão árvores? Darão frutos? Não sei... sabe alguém? O que mais além daquilo que nos é o melhor possível podemos fazer? Existe espaço para preocupação, aflição, angústia ou medo quando a consciência repousa tranquila sabendo fazer de si, o seu melhor?

Seja a vida (ou circunstâncias) generosas ou não, que a consciência esteja atenta para evitar o engano de “acreditar que ir, é já chegar”. Agape

20 de jun. de 2012

Histórias da Baixa de Albufeira II - Diuk


Diuk

Não estão esquecidas as histórias sobre o Buzzi, Mandinho, a doce Palhaça e nem a da gaivota misericordiosa. Mas essa de agora passa à frente, não por ordem cronológica mas pelo instante que representa.

Ontem enquanto estava a trabalhar passa por mim um amigo com ar apressado, mãos em concha e mostra-me um pequeno pardal muito assustado que não conseguia voar.  Iam os dois (meu amigo e o pardal) no sentido da praça, aonde o pardal ia ser libertado. Tive que intervir, ainda mais ao ouvir o canto esfomeado das gaivotas ali perto... (sim, as gaivotas comem de tudo...)

Assumi a responsabilidade de ter eu as mãos em concha, e fui a procura de uma caixa ou lugar aquecido e seguro até que o trabalho acabasse.

Trouxe comigo para casa o tal bichinho, já denominado Diuk, e com a doçura de amigos do trabalho Diuk veio comigo já com comida e lugar para beber água. Durante a noite cheguei a pensar que pela manhã eu teria alguma surpresa triste, mas prefiro antes a tentativa ao invés de encher com tanta facilidade a barriga de algum gato ou gaivota com instintos caçadores muito aflorados...

Pela manhã acordo com um bom dia (muitos “bom dias”) em forma de pio e farfalhar de asas. Sem saber bem o que fazer e a pensar nos perigos que podem existir nos cantos atrás de máquina de lavar roupa e afins, preparo a casa de banho (banheiro) para receber o ansioso Diuk.

Neste instante que agora escrevo fui expulsa da casa de banho para dar espaço ao treino de grandes acrobacias e tentativas de vôo, que só me fazem lembrar Fernão Capelo e seu caminho rumo ao infinito, infinito que para o Diuk começa entre a banheira e a pia com paradas estratégicas sobre meu roupão pendurado na parede, tudo com trilha sonora de pios esganiçados motivados pela adrenalida dos primeiros vôos de independência.

Penso que não fará mal algum um dia de treino para fortalecer os músculos e asas tão pequeninas, e amanhã Diuk poderá fazer seu grande vôo de liberdade pelos céus de Albufeira e quem sabe quais outros céus mais...

7 de jun. de 2012

"Só os mortos conhecem o fim de uma guerra"

Platão disse: “Só os mortos conhecem o fim da guerra”.

Existem diversos tipos de guerra, a que travamos em nosso dia a dia para nossa sobrevivência, a que travamos com nós mesmos, ou a que enfrentamos por nossos objetivos ou ideais. Guerras realmente importantes são aquelas que escolhemos lutar, as que nos fazem sentido. Abandonar uma guerra que em algum momento foi nossa escolha nunca é uma decisão fácil, implica na desistência de uma batalha por uma guerra que se tornou mais importante para nós. Quando desistimos de um trabalho, de um relacionamento ou de um sonho, estamos a assumir uma derrota em uma batalha por uma guerra maior – a de conquistarmos algo mais importante naquele instante.

Ao longo da vida escolhemos nossos caminhos, nossas batalhas, a bandeira que defendemos e os ideais que buscamos, um processo que deixa atrás de si alguns feridos e alguns mortos, pessoas que se distanciam, se esquecem, pequenas lápides no cemitério de nossas lembranças. Teremos durante nossa guerra os heróis e os desertores no exército de pessoas que cruzam nossas vidas, poderemos ou não ter nossos mártires, salvadores e traidores – mas seremos sempre nós a comandar e a decidir as batalhas que iremos lutar. E sempre haverão batalhas, sempre haverão vitórias e sempre haverão perdas.


Como disse Platão, “Só os mortos conhecem o fim da guerra”; acrescento que: “somos nós a decidir o fim de uma batalha”.

23 de mai. de 2012

Escolhas


Ainda lembro bem do instante que de tão dura a vida, me vi diante de uma escolha. Alimentar ilusões ou ter a força e coragem para perceber a realidade. Lembro-me bem da dor dessa escolha, e todos os riscos, perdas e responsabilidades que estavam ali implícitas, a espera da minha escolha.

Naquele instante, fui capaz de escolher a realidade, e embora muito me tenha custado, consegui erguer-me e continuar adiante, com os olhos abertos como se abertos estivessem pela primeira vez. Muitas vezes depois tive de me deparar com essa mesma escolha, como se fosse para “reafirmar” minha decisão anterior. Sempre a reafirmei, sendo a cada vez, um pouco menos difícil e doído fazê-lo.

Como consequência, acabo por cada vez ter menos tolerância com quem não tem coragem, com quem vê e não enxerga, com quem se esconde da vida. Para alguns, sou como uma espécie de espelho que diz o que não querem ver, para outros, uma espécie de pessoa que machuca e diz o que não querem ouvir, e para uns outros, alguém que tem a vida a pulsar e a vibrar em cada célula do corpo.

De uma ou de outra forma, acabo por ter atitudes, palavras e comportamentos “incomuns”, e iludem-se aqueles que se esquecem de que independente disso, sou igual a qualquer um, feita da mesma matéria – as vezes frágil, as vezes forte feito aço.

Reafirmo mais uma vez (e quantas mais forem precisas) minha escolha pela vida real, cheia de riscos, de incertezas, de perigos – e de possibilidades. Digo uma vez mais “não” ao que é irreal, ao que é ilusão, ao que não passa de apego e de fuga. E a cada “não” que digo, é uma vez mais que me vejo caminhar só – mas é também uma vez mais que me vejo caminhar mais comigo e mais em mim.

Pergunto... existe busca na vida que faça mais sentido do que a busca – e encontro – de nós mesmos?

12 de mai. de 2012

Vento (Wind)

Vento

Sou o vento a percorrer seus caminhos
A dar de mim o melhor que possuo.

Meu melhor sorriso, minha melhor atitude,
Meu sacrifício é genuíno, vem do coração.

Não me esforço por recompensa, não trabalho por elogio
Ponho no que faço, tudo de mim e tudo que sei
Com minhas melhores virtudes, com meu maior amor.

Sou o vento
A carregar por onde vou, o que levo de melhor em mim
E dá-me vontade tantas vezes de gritar!:

“Aproveitem, seus dementes adormecidos e acomodados,
Que o que está diante de seus olhos é real!!!”

Não busco mérito nem honrarias – é por mim que o faço (o melhor) – sou vento! O que sei é ventar!

Não é ilusão meu sacrifício, esforço, responsabilidade;
Não é ilusão meu comprometimento, honestidade, vontade;
Não é ilusão minha motivação, força, lealdade!

Aproveitem, seus tolos idiotas,

Que eu sou vento, e o que o vento faz é ventar – vai-se embora!

Que essa brisa enquanto dura seja realmente vista,
Tirem seus próprios proveitos – enxerguem o que têm diante os olhos!

Não sou mentira, não sou ilusão, não sou miragem,
Eu sou vento!
E como vento, dessa vez, eu não queria passar...

8 de mai. de 2012

Enough


I’ve seen too much, too many views, too many places. I’ve seen too much to feel peace when I hear a baby cry, lovers fight, someone alone just die.

I’ve seen too much to still believe we are naturally good, or naturally friendly, or naturally honest. We won’t. We are exactly what we choose to be, and just a few (very few) of us try they’re best.

I’ve seen too much to use an excuse to be apart from the pain of the world or of the people. I’ve seen too much to use an excuse and pretend that I’m not part of this world that we are living. I am – for the good and for the bad.

I’ve seen to much and now I can’t pretend anymore that my feet doesn’t hurt, that my heart isn’t broken, that my soul are still pure.

I’ve seen too much to choose get my eyes closed. I can’t, I’ve seen too much…

I’ve seen too much views and too much places to be able to feel myself at home. I don’t want that anymore. For now, I’ll be glad to bury the bad and feel the good, I hope this come soon.

28 de abr. de 2012

A história de Sebastião


Da Baixa de Albufeira – Uma ilha no centro do mundo

Se há uma coisa que faço automaticamente sem me aperceber, é cumprimentar os cães. Uma vez que cumprimento as pessoas e também as crianças (mesmo as pequeninas de colo), por que razão eu não cumprimentaria os cães, seres muitas vezes mais simpáticos e autênticos em sua naturalidade?

Despertou minha atenção hoje um cão aparentemente ainda jovem que ia muito apressado com ar atento, passou por mim tão depressa que nem se deu conta de meu cumprimento sussurrado. Andou alguns metros e sentou-se na praça a observar crianças que estavam a jogar bola.

Um grande pastor capa-preta dificilmente passa sozinho e sem coleira sem despertar algum receio nas pessoas em sua proximidade.

Passou também por ali um casal um tanto desatento, a puxar pela coleira um poodle branco com ares de aristocrata. O pastor, nada desatento, viu e foi logo ver de que espécie de aristocracia se tratava, a mostrar os dentes do proletariado que não simpatiza muito com a nobreza e hierarquias sociais...

A observar a cena assim como observo o mundo (sempre por debaixo da aba de meu chapéu, para que não me confundam jamais com um dos atores da peça sempre em andamento), ouvi os gritos agudos da mulher que foi bruscamente tirada de sua desantenção e a dança do homem que tentava afastar o pastor com um guarda-chuva aberto. Não pude deixar de pensar em Fred Astaire e Ginger Rogers e sua dança na chuva...

Por fim o casal e o poodle safam-se e distanciam-se, deixando o pobre do pastor sem ter mais o espetáculo das crianças a jogar bola para observar e nem a aristocracia para morder.

Mas o teatro da vida, sempre cheio de surpresas e imprevistos faz com que se aproxime do pastor um rapaz, que emocionado ajoelha-se no chão diante do pastor. O pastor estranha, olha desconfiado, fica na dúvida.

Descobre-se por fim que o pastor tinha nome, Sebastião (desconfio que deveria ter também algum sobrenome que denunciasse sua linhagem pura e de sangue real, mas isso já não pude averiguar devidamente).

Sebastião, cerca de dois anos atrás havia sido roubado (os ladrões permanecem anônimos e desconhecidos), tendo sido hoje encontrado por seu primeiro dono. Um chip confirma a identidade de Sebastião.

Sebastião e seu dono reencontrado foram embora juntos, felizes e satisfeitos, enquanto caia a tarde e novas peças se desenrolavam para observadores e atores desconhecidos.