18 de out. de 2012

Ir não é chegar #1



Quando se vai embora, de certa forma nunca mais se pode voltar. Não se pode voltar ao que já passou, ao que já fomos um dia, ao que já aconteceu.

Quando se vai embora uma vez, há que se ter a consciência de que a vida está a ser movimentada, alterada, modificada. Escolhe-se. Não é possível escolher o todo, o que existiu e o que vai existir – existe um intervalo no meio, o que se escolhe existir agora.

Quando se vai embora, fica uma parte de nós e abrimos espaço para uma parte nova entrar em nossa vida. Podemos ir embora com planos e idéias de regresso, mas nunca saberemos ao certo o que os dias e o futuro nos vai trazer – escolhe-se, opta-se, arrisca-se.

Quando vamos embora uma vez, nunca voltaremos exatamente do jeito que éramos, não voltaremos ao que deixamos – a vida segue seu curso, espaços abrem-se e fecham-se, transformam-se.

Ir embora é escolher um caminho, é fazer uma escolha, é deixar aberta a possibilidade de um dia voltar sem saber ao certo como ou quando. É deixar um pedaço de nós, e levar conosco um pedaço de tudo e de todos que fizeram parte de nossa vida.



 Ir embora não é chegar a algum lugar, é seguir um caminho até que o retorno aconteça.


11 de out. de 2012

É preciso dizer



É preciso dizer

É preciso dizer que eu não sei... tenho agora talvez mais respostas do que perguntas, e ainda não sei...
Não sei como ou qual será o amanhã, de onde ele virá ou como terminará.

Não sei sequer sobre o que eu vejo, o que me parece as vezes tão cruel ou superficial... quem sou eu afinal para saber? Eu não sei...

Não sei sobre qual essa força tamanha que impulsiona as pessoas a quererem mais, ter mais, quando parecem não querer a consciência de que estão a tirar de alguém... será que não sabem?

Não sei sobre esse mundo, esse mundo que não é outro além de um que nós próprios criamos, escolhemos e permanecemos a escolher dia após dia... eu não sei...

Não sei sobre o amor ao próximo, que parece trancafiado em caixas de televisão, onde fica fácil ter-se compaixão pelo sofrimento que só de longe e superficialmente assistimos.

Não sei sobre as escolhas do dia a dia, aquelas escolhas pequeninas, que preferimos não dar atenção, importância ou dar nossa consciência, quando escolhemos passar alheios pelas ruas sem ver o sofrimento nos olhos que cruzam os nossos tantas e tantas vezes por dia... eu não sei...

Não sei por que tanto estranham o facto de eu sorrir. Não deveria eu sorrir, tendo eu tão menos problemas do que aqueles que não comem, que não tem abrigo ou calor, que podem nem mesmo ter saúde, amigos, ou alguma esperança no amanhã? Eu não sei... eu não compreendo...

Não compreendo a ganância, quando alguém ao nosso lado pode precisar de algo mais do que nós. 

Não compreendo mais a gula, quando alguém tem o estômago a doer com fome. Não compreendo carros de luxo, quando para alguém falta cadeira de rodas. Não compreendo jóias, ostentação, roupas de marca, sapatos... quando para alguém falta calor, falta alegria, falta conversa, falta compreensão... eu não sei...

Não sei como pode valer mais uma coisa do que um abraço, um olá, um carinho... eu não sei...

Não sei quais são essas escolhas que estamos a fazer todos os dias, dia após dia, a esperar por milagres, por resultados diferentes quando nós mantemos as mesmas atitudes... Como somos capazes de ainda ter esperança no milagre, se o milagre somos nós e nós escolhemos não fazê-lo?

4 de out. de 2012

Tempos



Há tempos de caminhar, de buscar. Impor a nós mesmos limites que podemos a primeira vista acreditar intransponíveis, criar propósitos que nos desafiam a ser maiores, melhores.

Há tempos de quebrar barreiras, de voar, de descobrirmos do que realmente somos capazes. Isso faz com que as portas da própria vida nos sejam abertas, nos faz sentir o sangue que nos corre pelas veias, nos faz sentir o coração bater, o ar fluir, a vida acontecer.

E há também tempos de reconhecermos os passos que já demos, as lutas que travamos, as escolhas que fizemos e os objetivos conquistados. Há tempos para aprendermos que não somos invencíveis, que existem limites que são realmente limites – nossos próprios limites. Há tempos para reconhecermos nossos valores por nosso próprio valor, tempos de acalmar os passos, apreciar o caminho feito, olhar a nossa volta e escolher uma paragem.

Não é fácil parar quando nos acostumamos com o ritmo de caminhar, não é fácil caminhar quando o próprio caminho pede por tempo e paciência. Não é fácil escolher quando as alternativas são todas, quando o mundo está aberto e suas escolhas dependem unicamente de você, sem muletas ou sem amarras.

Talvez a verdadeira sabedoria consista em reconhecer o tempo de cada coisa, aceitar o tempo que chega sem apreensão e sem medo, confiar em nosso próprio julgamento e capacidade, e oferecer ao tempo que chega o melhor do que somos e que nos tornamos.

8 de set. de 2012

Conchas




Já faz muito tempo que ganhei o hábito de em alguns lugares e situações, colher folhas, pedras ou conchas. A vida não me permite ter comigo todas as folhas, pedras ou conchas que colhi, mas embora eu nem sempre consiga guardar na memória os rostos e nomes de muita gente, consigo facilmente me lembrar de cada folha, de cada pedra e de cada concha que peguei.

Talvez esse hábito tenha começado quando eu era ainda pequena, quando esperava para ver as flores amarelas na entrada do pomar floresceram para apanhar uma, e quando não haviam flores, tinha que me dar por satisfeita com uma folha – e uma folha daquela árvore representava a esperança e a promessa de que no futuro haveriam flores para apanhar.

Hoje, um grande amigo partiu. E ao saber da sua partida, me lembrei de algumas pedras que vi na vida, próximas ao mar. Não me lembrei das pedras que apanhei, mas das que vi e decidi deixar na areia. Nem tudo conseguimos apanhar ou carregar conosco, nem tudo precisa estar sob a nossa “posse” para ser nosso. O que é realmente “nosso” habita em um lugar lá dentro de nós, não se toca com as mãos, não é preciso. Nos pertence porque pertence ao nosso coração.

Eddinho foi-se embora do alcance das minhas mãos, mas não está distante do meu afeto. Vive, vive!

Vive nos corações daqueles que o conheceram, onde viverá sempre. Viverá no meu coração junto com outros que lá vivem e viverão sempre, junto com lembranças e memórias, em um lugar onde não se precisa apanhar conchas e pedras para que estas nos pertençam.

6 de set. de 2012

Comboio



Quantos passageiros tiveram antes medo dessa viagem eu não sei, nem sei quem possa conhecer essa resposta. Talvez todos tenham sentido medo, uns demonstrado mais ou menos que outros, uns tenham tido mais ou menos consciência do medo que outros... não sei.

Existem algumas paragens desse comboio que me fazem lembrar do meu próprio medo, alguma inquietação que se agita lá no fundo, meus olhos que percorrem com pressa a janela um tanto embaçada a procura de perceber a paisagem que se abre lá fora, a procura de reconhecer algum lugar, algum rosto, perceber algo na paisagem da paragem que traga algum conforto. Mas logo o comboio acelera ganhando novamente os trilhos, e as paisagens passam de forma aparentemente natural, quase que automaticamente, até que nova paragem se apresente e exija a consciência do olhar e do observar.

Estando o combio em movimento, fica fácil o não pensar e o simplesmente deixar as paisagens virem e irem, deixar a imaginação solta, o olhar perdido e a sonolência do se deixar guiar tomar conta do que antes parecia inquietação ou receio. Afinal, estando o comboio em movimento, não havendo a pressa de saltar em nenhuma paragem, o que importa qual será a paragem a seguir, ou quem sabe a paragem final?

O presente do se deixar guiar e do desconhecer o que virá a seguir, funciona quase como a bênção de tudo aquilo que se ignora, que se pode ou que se consegue ignorar.

Não sei de todos aqueles que se encontram no comboio quantos reparam e sentem passar todas essas paragens, algumas mais ensolaradas que outras, umas mais quentes, outras mais frias. Umas cheias de cor e de vida, outras cinzentas, outras ainda com um ar de deserto e de secura extrema. O se permitir continuar permite que nenhum deserto dure por muito tempo, assim como nenhum oásis se faça permanente.

Não sei quantos passageiros se perguntam (assim como eu) não sobre a próxima paragem, mas sobre tudo aquilo que se desconhece da paragem em que se está. Não acredito que nosso olhar humano (mundano, tão contaminado) consiga captar tudo que se pode esconder atrás de um vidro um tanto sujo ou embaçado pelo nosso próprio olhar, pelo próprio ar que respiramos sobre a janela na expectativa de enxergar.

Não sei quantos passageiros já estiveram ou estarão nesse comboio, ou quantos passaram por esses mesmos trilhos, mas tenho a sensação de que haverá uma paragem onde todos hão de se encontrar. Cada um terá tido suas próprias impressões dos lugares pelos quais passou o comboio, as paisagens que viram. Uns gostarão mais de paragens mais tranquilas, outros talvez terão gostado mais das montanhas ou dos oceanos, das serras, dos campos ou das grandes construções e maquinarias que engenhamos durante a viagem.

A viagem, afinal, de pouco ou quem sabe até de nada importa se comparada com as impressões que vamos ao longo do caminho construindo dentro de nós e nos deixamos compartilhar. O nascer do sol ou o anoitecer tornam-se mais mágicos quando conseguimos compartilhá-los, ainda que através das palavras que usamos para descrevê-los... e as imagens que vimos, outros não terão visto, mas terão descrições para criarem na imaginação quem sabe até o nascer do sol ou anoitecer ainda mais bonito do que aquele que de fato foi visto.