17 de jul. de 2024

Swiss


Existe um lugar onde o verde da relva é mais verde, onde o azul dos rios e lagos é mais azul, e onde o ar é mais ar.

Um lugar onde a natureza pode descansar mais tranquila, mais sossegada, e se mostrar mais viva.

Existe um lugar que é mais lugar que outros lugares, e não é só uma questão de paisagens. É também uma questão de pessoas, de família, de afetos.

A Suíça seria menos Suíça se não fosse por vocês, e eu seria menos eu também. Do mesmo jeito que a natureza encontra aqui algum refúgio e sustentabilidade, eu encontrei, mais uma vez, descanso e as energias gratas, renovadas, felizes.

Mais do que a grama verdinha e cheirosa, os seus risos e partilhas, suas rotinas e conquistas, disponibilidades e carinho têm aquela força de nos equilibrar por osmose e devolver o mesmo brilho que se vê na relva verdinha, no azul translúcido, no ar fresco e limpo.

Agradecer só por estes dias seria diminuir o tamanho da gratidão que sinto, que é não só por estes dias mas por vocês serem quem e como são, pelas risadas gostosas, abraços carinhosos, brincadeiras, delícias, momentos, conversas e experiências.

Peter, Pê, Dani, Ni, obrigada! O tamanho do amor, da admiração e do orgulho que sinto por vocês é gigante.

Obrigada ❤️

4 de jul. de 2024

Famílias

Tenho sempre latente em um recanto mental qualquer, a pergunta constante do porquê, a necessidade de perceber tudo, do que quero, faço, sinto, espero.

Não é por querer, nem é através de nenhum esforço - só está lá, sempre. Isso faz-me ir (ou tentar ir) sempre um pouco mais fundo, um pouco mais longe, um pouco mais depressa, um pouco mais alto. Em tudo, sempre.

Anos atrás, dei à isso o nome de Desassossego. O meu. A minha consciência e o meu desassossego. Um não existe sem o outro - embora existam lampejos de consciência sossegada, mas são muito raros.

Talvez por isso, tenho me percebido a pensar que posso estar a procura de uma vida que passou há muito, muito, muito tempo... 

Uma vida em que a casa era cheia, a porta nunca estava trancada e estávamos todos juntos no mesmo barco, éramos uma família.

Talvez eu ande à procura daquela segurança, daquela certeza absoluta de que não importava o que pudesse acontecer, como ou à quem, estaríamos sempre todos juntos e seríamos sempre uns pelos outros. Aliás, não é que não importava o que pudesse acontecer - nada que pudesse acontecer mudaria a vida que era aquela.

Mas mudou.

Mudou e me partiu por dentro. Irremediavelmente.

Sem dramas e sem culpados, sem disfarces nem panos quentes, sem ilusões e sem rodeios, foi simplesmente assim.

E da melhor forma que eu pude e que eu sabia, tentei juntar e recolher pedaços, tomei as melhores decisões que pude, pensando que eu estava apenas a seguir o fluxo que era natural das coisas. Mas não era. O meu fluxo natural eu ainda ia precisar cavar muito e muito profundamente para encontrar.

Recolhi os pedaços acreditando sinceramente, que eu estava a fazer o certo, o melhor. Hoje, vejo de forma diferente e penso que se voltasse atrás, eu escolheria de outra forma. Quase de certeza que sim.

Um dos problemas da consciência é que ela possui um tempo próprio, e nos esclarece muitas vezes só muito tempo depois.

Ter-me confrontado com algumas verdades da vida me destroçou. Não encontro palavra melhor.

Tanto, e de tal maneira, que precisei dizer-me e mostrar-me que nada era certo, que nada era permanente, que nada era certo e nem seguro, que nada existiria para sempre - e que mais valia ser eu a definir o tempo das coisas que deixar a vida decidir por mim e me pegar desprevenida. E esta, sou eu.

Como quando sinto-me ameaçada, o impulso feroz de reagir e chegar-me à frente, logo vejo depois se era uma pedra ou um dragão, e quais pedaços de mim perco ou salvo.

Busquei desculpas e justificações, busquei ilusões e sonhos - qualquer coisa capaz de me dar a força e a coragem para ser eu a definir o tempo das coisas e não esperar que acabassem 'de surpresa'.

E fui embora. Dos pedaços que tentei recolher quando já não éramos mais todos, e já não havia mais barco, catei-os, juntei-os, abracei-os, e despedi-me deles.

De forma feroz, decidida e obstinada. De forma resoluta. E fui embora.

Levei tempo até sentir-me capaz de fazer amigos, de abrir a porta, de conhecer pessoas. Se existe solidão, foi aquela. E foi boa, foi constante, foi companheira. Foi necessária.

Eu estava tão perdida, que qualquer lugar servia, qualquer circunstância cabia, qualquer possibilidade era possível. Eu cresci, eu cavei-me e eu descobri-me.

Chamo àquele tempo de Lisboa. Minha Lisboa. Ninguém a viu ou sentiu com os mesmos olhos e sentidos que eu. Eu só tinha ela.

Depois, mais um engano. Uma tentativa frustrada de resolver o insolúvel, de tapar o sol com a peneira, de "fechar" os assuntos. Brasil. Por pouco tempo, mas Brasil. Pouco menos de um ano acho, mas o suficiente para me perceber a morrer. Eu já não cabia ali. Eu já não estava ali. Eu já não era mais aquele eu.

E então... Silves. Sonho. Que palavra descreve melhor? Sonho. Foi isso que foi. E foi bom, foi bonito, foi gostoso de sonhar. Mas é tudo e é só o que foi: sonho.

De Silves, Albufeira. Pela primeira vez, com meus próprios pés nos sentidos todos. Emocional, mental, social, financeiro, qual seja. Meus pés e mais nada. Nenhum lugar conhecido ou com conhecidos, sem certezas e sem recursos, Albufeira. E alí, morri e renasci.

Uma casinha qualquer, um trabalho qualquer. 12, 14 horas sob o sol. De pé. Parada. Sobreviví.

E pela primeira vez, uma porta se abriu. Não, não foi uma porta - foi uma janelinha. Da cozinha. E pela primeira vez, meus olhos mergulharam no mais azul dos mares e busquei um porto, um abrigo, uma casinha. Minha casinha. Que você foi, por tantos anos. Não sei se alguma vez te agradeci... Obrigada.

Mas... as casinhas perdem seus tetos nos grandes vendavais, e nós nos perdemos. Éramos incríveis... e nos perdemos. Eu sinto muito, de verdade... Desculpe.

Depois... fui eu. Eu e eu. E pedaços... pedacinhos de tudo, de todos. E eu. E uma solidão diferente... calma, contida, 'sociável' e produtiva na sociedade. Mas, solidão. Sempre disfarcei bem, acho.

Espanha. Risos soltos e gargalhadas. Caos. Conflito. Mágoa.

Portimão. O agora. A porta entreaberta, os pés meio firmes, meio duvidosos. Mas a porta entreaberta. E espreitas. E estás aqui. E meu Desassossego acorda, pergunta-me: porquê?

Desassossego. E consciência...

Talvez por isso, tenho me percebido a pensar que posso estar a procura de uma vida que passou há muito, muito, muito tempo...

 Uma vida em que a casa era cheia, a porta nunca estava trancada e estávamos todos juntos no mesmo barco, éramos uma família.








26 de jun. de 2024

Que eu me lembre das Gaivotas


Que eu nunca me esqueça das gaivotas.

Não sou uma pessoa tão humilde como eu gostaria e detesto a arrogância em mim que se crê melhor e mais capaz, ou que se coloca sem perceber, em uma postura soberba.

Tenho defeitos à mais, sem dúvida. Mas ao menos não sou de pedir muito, ou de me colocar como vítima ou de fazer grandes demandas. Acho que não.

Mas de todas as coisas que posso pedir para mim, de forma egoísta e sincera, a que mais suplico é para que eu não me esqueça das Gaivotas.

Das coisas realmente importantes (onde estão?), dos verdadeiros atos de amor (que admiro e respeito), e de que o "longe é um lugar que não existe".

Que eu não me esqueça da capacidade de sonhar, e de voar. Que eu não me esqueça ser capaz de amar, que eu não me esqueça capaz de partilhar, que eu não me esqueça como pessoa, e como mulher.

Que sempre eu seja capaz de fechar os olhos e de seguir, e de ser gentil e de falar em amor. E sorrir.

E continuar.

24 de jun. de 2024

Piedade


Da primeira vez que vi, atirei-me. Não pensei se estava frio, se eu não ia ter roupa depois para trocar, se eu conseguiria sair depois.

Lugares impactantes assim, que me provocaram reações únicas e instantâneas, só conheci 2: Sintra e a Ponta da Piedade.

Eu nunca compreendi Sintra, só sinto. E na Ponta da Piedade... eu naufrago. Como no dia em que desci pela primeira vez os seus degraus, e nem sequer pensei que teria que os subir depois. Naufrago... a descer os seus degraus e a me deparar com a imensidão azul recordada pelas rochas douradas.

Naufrago dentro dos meus sentimentos, perco-me no frio da água salgada que gélida, tornou-se silêncio.

Silêncio...

Há palavras que consigam gritar mais alto do que o silêncio?

Eu olho, procuro, espero... naufrago.

Rudolph


Quando escrevi a primeira parte do livro, o Rudolph apareceu sem ter sido pensado antes, ele apenas "apareceu".

Apareceu quando no livro, o caminho havia se tornado demasiado incerto e indefinido, e o peso de um nada gigantesco pairava à frente. E então, "do nada", o Rudolph apareceu, para mostrar a direção.

Não pude deixar de sorrir quando triste, eu o vi hoje. Um Rudolph real, em pele, osso, pulgas e pêlos, que me olhou com os olhos de mel mais cheios de luz que eu alguma vez já vi, e ao me ver sorrir, levantou-se e veio atrás de mim. Atravessou a primeira rua ao meu lado, depois a segunda. Passou comigo pelo portão, entrou junto comigo no trabalho. E está agora aqui, deitado junto à secretária, não quis água nem comida, só se deixar estar.

Meu coração agradece esse deixar-se estar dele. Aqui, em silêncio, tranquilo. Me conforta, apazigua, mostra que talvez, quem sabe, eu esteja onde realmente devo estar, apesar do coração pesado e meio sem rumo.

As coisas mais pequenas, mais simples, são as mais difíceis e ainda assim, são e serão sempre as mais importantes.

Obrigada Rudolph!

8 de jun. de 2024

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar

 


A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar é feita de medo, daquele medo que nos custa identificar e reconhecer, que se esconde atrás dos nossos pensamentos mais íntimos e custamos a perceber.

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar é imensa, tão grande quanto o próprio tempo e espaço e ocupa sem esforço o tamanho do infinito, embora seja tão simples e delicada que confunde-se com o que chamam de rotina e de comum para olhos menos atentos.

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar compõe-se de várias partículas que dançam em perfeita sincronia – e que nunca se confunda sincronia com ausência de turbulência ou de obstáculo, porque a perfeição é feita de imperfeições síncronas.

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar foi deixada de lado, feito sombras de fantasmas que se cansaram de assombrar, e fizeram morada no silêncio de um passado já demasiado distante para lembrar.

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar foi impressa em mim na multiplicação celular que enquanto embrião, um dia eu fui e traduz-se no meu próprio ADN.

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar estava esquecida, precisei um dia atropelar. E vem, pouco a pouco, querer se fazer lembrar.

E lembro-me então… de mim. De correr no pátio da escola de lancheira na mão, de estar sentada em círculo a brincar de lenço atrás, de subir nas árvores e de caçar formigas. Do tapete de bamboo e das massinhas de modelar (plasticina) que deixavam tinta na mão. Das festas juninas e das lições de história e geografia. E salto… dos 4, 5, até os 10, 11 anos. E estremeço com os fantasmas que acordam e se assustam, porque desaprenderam a sonhar.

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar aparece-me à frente, sacode-me e atira-me ao ar, levanta-me os pés e não sussurra, mas fala, de forma nítida, decidida e clara com toda a certeza da voz mais definida que já se fez algum dia ouvir e me diz: "a matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar… é feita de ti".


12 de mar. de 2024

Dois Lados

"Dois Lados

Ando por essa ponte, tão alta e tão estreita que balança para a direita, balança para a esquerda, estremece, ameaça mas não cai nem tão pouco se equilibra.

Essa ponte que me divide, que me corta e me separa pelo meio. Uma metade terra, a outra metade ar. Uma metade terrena, a outra metade luz. E o coração por inteiro em cada uma das metades.

O amor do espírito e o amor da luz. E não, não me digam que se trata do mesmo amor. Pois não é. Não é e nem é ao menos parecido. São mais opostos do que semelhantes.

Em comum muitas coisas, desde que não se trate de escolhas – apenas de sentimento.

Pois em comum está o desejo do bem, a intenção de saber o coração amado, feliz. E apenas isso, pois de resto se conflitam, se atormentam. O amor do espírito gosta da proximidade, do abrigo, do conforto na alma. O amor da luz não vê distância, nem sequer se importa com a existência ou ausência de tempo e espaço. Nem mesmo considera essas coisas – elas não existem. O amor do espírito busca, procura crescer, amadurecer, auxiliar. É ativo e entusiasta. O amor da luz é passivo, transcende por osmose, é como a luz refletida por um lago – o movimento pode ou não existir nas águas, a luminosidade não se altera.

E essa ponte, essa trilha é estreita, é de extremos, é incerta. Não há desvio errado ou ruim, não há escolha mal feita. Mas há escolha.

E as escolhas envolvem ganhos, envolvem perdas. E envolve amor. Tudo envolve amor.
Qual é o amor mais forte? Qual é o amor mais certo?

Mas há talvez o amor mais desapegado, o mais calmo, o mais humilde. O amor da compreensão e abnegação, o amor imutável, inatingível, a chama que arde para sempre.
Talvez nem seja nada disso. Talvez não existam diferentes amores, talvez a única coisa que os diferencie seja o foco – e o sentimento seja o mesmo.

Pode sim haver o foco talvez no espírito, talvez na luz, talvez num anseio ou em um desejo. Mas quem sabe sejam apenas os focos...

Focar em uma paixão, focar em um trabalho, em uma ambição... o foco, embora o sentimento seja o mesmo. O puro, o poderoso amor.

E nossas histórias, nossas experiências, nossos medos e nossas dores sejam a lente de nossos focos. E não poderão haver focos errados, mas sim em seu lugar mágoas profundas... como alterar a lente para obter diferente imagem? A imagem não muda... mudam os nossos olhos.

E então, no fundo de tudo, o amor. Pura e unicamente o amor. O amor que desfocado causa as guerras, as ofensas, as injúrias. As traições, as violências, as torturas. Tudo apenas amor. Amor para defender a ferida inflamada, para proteger as esperanças dilaceradas e as perdas ao menos suportáveis. As eternas procuras por justificativas, desculpas para agir conforme o foco do nosso amor...

E assim minha ponte desaba, não oscila, experimenta balançar de forma mais lenta e contida, experimentando o ligeiro movimento. Estremece e para, avaliando se afinal deixaram de existir as metades esquerda e direita. Parece que fundiram-se, encontraram a forma de as unir.

Podemos nos tornar caleidoscópios, cristais... reflexos de um único sentimento capaz de transbordar em todas as direções."

12/03/2014

11 de mar. de 2024

Bocadinho


Vamos então nos sentar aqui por um instante,

E deixar que este instante dure por ano.


Deixar para trás por um tempo as nossas incertezas

Deixar para trás por um tempo as nossas histórias.


Aqui, sentados, és tudo, és meu amante,

És as certezas sem qualquer chance de engano.

E tudo bem, ser for apenas por este instante.


Vamos nos sentar aqui por um tempinho,

Deixa que o tempo passe até sermos velhos,

Quem sabe, se neste pequeno bocadinho

É que se realizam os grandes mistérios.


Vamos aproveitar, ouvir o mar e sentir o vento

Abraçar a vida, viver o momento.


Vem, sentemos aqui por um instante...

E deixemos que instante dure por todo tempo.


Vamos nos sentar aqui um bocadinho...


...

6 de mar. de 2024

Altos e baixos, ir e vir, assim ou assado?

Talvez eu queira tanto ver (ou ser, ou estar) alí à frente, que atropelo até (e inclusive) a mim mesma. E o que eu realmente penso, e o que eu realmente sinto. Por querer estar ali à frente.

Então eu vou, corro com os braços estendidos para a frente para agarrar tudo, sem olhar se calcei os sapatos, ou se estou a correr pelo chão ou sobre brasas acesas. Ou espinhos. Ou cacos de vidro. Eu apenas vou.

E depois, por algum milagre ou generosidade ou alguma condescendência do Universo qualquer, uma pequena pausa acontece, ligeira. Mas, suficiente para me permitir olhar. E aí não sei se me zango por ter visto, ou se agradeço pela oportunidade de ver.

Será que eu sinto realmente que quero ir, ou apenas vou? Será que eu quero realmente agarrar o que quer que seja, ou apenas agarro? Talvez ali à frente não seja bem lá exactamente onde eu queria estar... A ilusão de estar ali parecia tão mais interessante do que a real possibilidade de lá estar...

Mas então, e agora? Diminuo o ritmo devagar até parar por completo, o meu olhar fixo e embasbacado, a minha boca ligeiramente aberta em surpresa, feito idiota, a olhar para mim mesma e para os meus braços tontos e ainda estendidos à minha frente tentando agora disfarçar nem sei como (espalmo as mãos? finjo acenar um adeus?), os meus pés descalços e a minha vergonha e constrangimento espalhados pelo ar e pela minha face vermelha...

Mas então, realmente, paro. E tento encarar a verdade das minhas voltas mentais e inconstâncias. Serão realmente minhas? Ou são os meus medos a falar e a gritar tão alto, que embotam os meus sentidos? O querer ir não será o medo de estar parada a falar mais alto? O parar o passo, o disfarçar do movimento, não será o meu medo de cair a me sussurrar?

Quando já sei que parar é como morrer, que o estacionar é a antítese da vida e do crescimento, não é natural que eu estenda os braços para ir, seja onde para onde for, ainda que eu vá a correr contra um muro ou uma parede?

Quando já sei que caminhar ou correr implica inevitáveis tropeços e prováveis quedas, que qualquer movimento significa sempre e sem exceções possíveis obstáculos e ossos pqartidos, não é natural que venha algum medo me sussurrar aos ouvidos?

Medos não são um problema, só o são quando deixamos que falem mais alto.

Porque o movimento é sim necessário, embora não seja preciso correr sem joelheiras e nem capacete de encontro ao asfalto. Se não existem as joelheiras e o capacete, é ainda preferível o tombo à inércia. Não há evolução nem crescimento possível naquilo que não se move, que não arrisca, que não vive.

26 de fev. de 2024

мне нужно

Há uma parte de mim, pode se dizer que uma parte importante de mim, precisa disto. Precisa acreditar nisto. 

Acreditar não é o mesmo que tornar real?

Essa parte tão grande de mim... tão bonita em mim... precisa acreditar que nada é por acaso.

Acreditar que estamos cobertos por um maravilhoso véu feito de pura e translúcida seda, véu este bordado ao pormenor, com os mais sofisticados detalhes, com fios de ouro e cravejado pelos mais pequenos brilhantes, feitos dos mais puros diamantes, tão reluzentes e tão delicadamente esculpidos no véu que este, ao dançar com a mais leve das brisas, reflete todos os tons do arco íris ao seu redor, de uma forma ténue, subtil e a espalhar encanto e magia por toda sua volta.

E estamos nós cobertos por este véu, abençoados por ele, embora só agora, depois de tanto tempo, possamos adivinhá-lo. Não podemos, obviamente, vê-lo por tão subtil e ténue que é.

Essa parte minha, que sabe de maneira certa e segura de como o véu serviu como um fio que nos aproximou e colocou juntas as nossas mãos. O tempo que passou, ancorado pelo véu que com o seu esvoaçar leve e determinado nos aproximou de uma forma tão cheia de meandros, teceu curvas e reviravoltas, avanços e dificuldades, que fez nos encontrarmos e bordarmos pouco a pouco, ainda que com uma grande distância entre nós, uma amizade que foi desde o princípio presente e discreta, empática e cúmplice, enquanto vivíamos cada um a sua própria história e própria luta, desafios e descobertas.

Uma parte tão grande de mim precisa e quer tanto acreditar... que o véu trouxe o que desde sempre já existia.

Que me vias antes e lá atrás do jeito como me vês agora, e que soubeste desde sempre quem éramos um para o outro e assim, de uma forma descomunal por tamanha gentileza e cavalheirismo, conseguiste te fazer presente e ao mesmo tempo, esperar com tranquilidade e certeza.

Parte esta minha que sonha agora com os olhos abertos e que procura encontrar nas lembranças de anos atrás olhares e abraços, gestos de apoio e de carinho, atitudes e situações que comprovem o sonho que meus olhos abertos sonham, e encontra tantos! Encontra realmente! E esta parte minha abraça as lembranças, colocando-as ao colo e com o toque mais suave e mais doce de que minhas mãos são capazes, afaga estas memórias como se fossem o mais frágil e mais belo e puro dos recém-nascidos. Foram aqueles gestos assim, tão carregados de amor? Um amor que já sentias desde sempre e guardavas para mim?

E quantas vezes, quando o tempo passou e eu passei a ser apenas eu, senti afinal que talvez... talvez pudesse existir realmente ali alguma coisa, uma intenção, uma vontade! E a dúvida logo se seguia, não havia nada claro, não havia um avanço certeiro, havia doçura. Sempre houve. E amizade. E tantas dúvidas minhas...

Amizade que esteve ali, presente, sempre. E o véu que agora nos enlaça, não havia ainda nos abraçado... havia sido apenas tecido o bordado dedicado a me colocar na vida das pessoas que eram também próximas à você, e fio a fio, dar a força e a coragem para que assim chegasses mais perto de mim.

Esta parte tão grande e tão bonita de mim, que procura resgatar a pessoa que eu fui, quando acreditei que um véu como este poderia existir. Resgatar o sorriso que eu sentia me rasgar o rosto, e o brilho que eu sentia sair dos meus olhos. Resgatar as mãos frias e o estômago dançante, as pernas trêmulas e os pés decididos no caminho e na direção à seguir, tendo o futuro e a felicidade como certos.

Uma parte de mim precisa vestir este véu como quem veste a própria essência.

Mas... há uma parte de mim que não deixa.

A parte que antecipa a ilusão, e que vê uma realidade distinta, sem véu e sem tecidos bordados, sem magia e sem esperança. Porque eu sou feita de várias partes. Não somos todos?

E a parte que não ousa sonhar, que crava os pés no chão com tamanha força e determinação que sente os dedos afundarem na terra, não espera por nada. Aliás, espera. Espera pela desilusão, espera pela mágoa, para depois dizer "afinal eu era a parte que tinha razão".

Uma parte que procura pela falha em cada detalhe, que busca, feito um psicótico errante, desesperadamente por algum ato falho, pela palavra não dita e a toma logo como segredo obscuro, busca sôfrego e sedento pela mentira e enganação, e através da imaginação (tão fértil quanto pode ser a mente insana e alucinada), faz a sabotagem dos próprios anseios e desejos e oprime de forma tão violenta e bruta a vontade própria, que corta na própria carne os sentimentos cultivados até sangrar para o chão todo o afecto e todo o amor que desejava ter guardado.

Ai, essa parte de mim!

Parte venenosa, pontiaguda, fria e desconfiada, que se coloca na defensiva com os pêlos arrepiados e as garras de fora, inclina para baixo o pescoço, eleva os olhos fixos e fumegantes para cima, aguça os ouvidos e tenciona cada músculo e cada nervo do corpo, à espera do tão esperado desfecho, de quando cairão os sonhos por terra e as ilusões decapitadas pelo chão.

Treme de antecipação, ansiedade e gozo. Mas não, não há o que temer. Porque é a antecipação da vitória o que se antecipa, e não nenhum tipo de ataque. A tensão pressionada nas vértebras e nas articulações não pretende avançar, porque não crê sequer que vale a pena! Já não era desde sempre sabido que seria este o desfecho? Já não era então um facto de que os sonhos e esperanças todas terminariam feito cacos de vidros estilhaçados pelo chão? Atacar o quê, se em momento algum esta parte de mim acreditou ou foi enganada sequer?

Não... apenas relaxa-se a tensão, e com um sorriso macabro de miséria e vazio, esta parte de mim afirma-se com razão. "Vês? Eu já sabia. Bem feita. Eu avisei."...

E o que seria mais mordaz e mais fatal do que um ataque assim? Palavras de sabedoria e de certeza que perfuram mais que qualquer golpe, ataque, ferocidade ou mordida. Mata um bocado mais a parte bonita de mim. Mata a esperança e mata o sonho, mata a fé e mata o encanto, mata a força e mata a vida. Deixa no espaço em que havia o véu delicado, mágico e tão bonito, o escuro e uma casa vazia dentro de mim.

Há uma parte de mim, pode se dizer que uma parte importante de mim, precisa disto. Precisa acreditar nisto... 

Acreditar não é o mesmo que tornar real? Qualquer parte de mim?




22 de fev. de 2024

Para o Dani

Fazer 17 não é pouca coisa, ao contrário!
Fazer 17 é muito mais do que fazer 25, do que fazer 30 ou fazer 40.
Fazer 17 é quase mais que qualquer outro número! Aos 17 você tem o mundo inteiro e a sua própria vida inteirinha pela frente, sabendo muito mais e podendo fazer muito mais do que você podia fazer e saber aos 16, aos 15 ou aos 14 - mas ainda sem todas as responsabilidades e consequências que existem quando você faz 18.
Aos 17 todos os seus planos e todos os seus sonhos são possíveis, e não surgiram pedras nem muros altos demais no seu caminho - todas as escaladas e todas as caminhadas são possíveis.
E o que eu desejo para você, é que você tenha mesmo todos os sonhos do mundo, e que conquiste todos eles do jeito que só mesmo aos 17 anos é possível conquistar. Que você viva cada dia com o seu coração cheio de certezas, de confiança e de esperança, de amor e de paixão pela vida. Que você seja muito, muito, muito feliz em todos e em cada um dos dias dos seus 17!
Amo muito você!
Aproveita muito hoje e todos os dias!

21 de fev. de 2024

Verbos (02/06/2010- edit 21/02/24)

Eu amei. E odiei. Perdoei, esqueci. Adormeci, amorteci. E de novo sonhei, quando já não mais acreditava. E amei. E odiei. Perdoei, esqueci, amorteci, adormeci, sonhei, e de novo, acreditei.
E então amei. E esqueci. Perdoei, adormeci, odiei, amorteci, acreditei, sonhei.
E de novo, amorteci. E sonhei. E amei (era sonho?). Odiei. Adormeci. Acreditei... esqueci. Perdoei.
E uma vez mais, odiei. Perdoei, amorteci, esqueci, adormeci. Sonhei, acreditei. Amei... e então eu odiei. E esqueci. Perdoei (me à mim). Amorteci... e então eu sonhei. Acreditei. Amei. Morri.

13 de jan. de 2024

Comboio para Lisboa e o Ônibus para São Paulo

Parecem coisas tão distintas, quando são, em essência, coisas tão iguais.
Assim como foram os caminhos de ida, são os caminhos de volta - e vice-versa.
O ónibus para São Paulo tão familiar, e que tantas e tantas vezes usei... às vezes vindo de destinos diferentes e com diferentes frequências, outras vezes sempre pontual da mesma partida e a cada semana.
O comboio para Lisboa, fosse vindo de onde fosse, que sempre remetia ao pensamento e à reflexão, à esperança e ao refúgio.
E agora, tantos anos depois do último ónibus para São Paulo e do primeiro comboio para Lisboa sinto os caminhos se cruzarem, os meios de transporte se unificarem, e pela primeira vez em muito, muito, muito tempo, sinto que se transformam em um mesmo trajeto e um único destino - o meu.

14 de jul. de 2022

Paciência

Às vezes não sei interpretar tudo o que me cerca, ainda que sinta a constante necessidade da consciência sobre tudo.
E então aparece quem não pede nada, mas que também não fica à espera. Uma espécie de calma com firmeza, de deixar ver mas sem deixar nada solto demais ou ao acaso. É o que vejo, ou sou eu a interpretar aquilo que eu gostaria?
Gosto da calma. Da ausência da necessidade de ser o que for, da falta da expectativa e ao mesmo tempo da presença marcada, definida. Não parece haver dúvida, embora não exista qualquer certeza.
Como uma página em branco.
Um espaço para a criação... com paciência, de forma lenta e calma e tremenda firmeza na escrita.
Tudo em aberto, tudo em branco.
Não sei nada... mas acho que gosto.

2 de jul. de 2022

Naquele instante

Agora a tentar racionalizar eu já nem sei bem se foi apenas sonho
O tempo e todos os sentimentos que me abraçaram aquele dia
Sei apenas que depois acordou me o pesadelo medonho
E tudo que havíamos partilhado e sentido já não mais existia

Mas se fecho os olhos e me permito apenas sentir e lembrar
Nenhuma realidade antes pôde ser mais forte ou mais real
O castigo é ter como companhia apenas o mero recordar
Como se fosse possível beber veneno sem um resultado fatal

E que ingenuidade absurda foi a minha naquele instante...
Esperando conter todos os sentidos do mundo em um segundo
Sem depois sentir o peso e a ausência do ser distante
Esperando um desfecho melhor que me pudesse mudar o mundo

E que ingenuidade absurda foi a minha naquele instante...
A sorrir com o coração, a vibrar com toda a minha alma
Como se o destino não castigasse sempre quem foi amante
Como se pudesse existir dentro do meu peito depois qualquer calma...

E que ingenuidade absurda foi a minha naquele instante...
E que ingenuidade absurda foi a minha naquele instante.