8 de abr. de 2015

Resistência

Talvez um dos maiores obstáculos pessoais à enfrentar seja a resistência. Ao menos para mim, de certeza é um dos mais difíceis. Relaciona-se tanto ao apego quanto ao desejo e ao ego. Relaciona-se também com as expectativas e ilusões que muitas vezes inadvertidamente, criamos em nós mesmos.
Não é tarefa fácil reconhecermos quando é chegado o limite entre a força e a digamos, estupidez.
Se sopra um vento de mudança, se a vida mostra outros caminhos ou se percebemos que estamos demasiado tempo a bater em uma porta que não dá sinais de abrir, a sabedoria dita que é hora de deixar fluir, de nos libertarmos do passado (ou presente) que nos segura estacionados e seguirmos adiante – evoluirmos, crescermos, aprendermos. Mas ai, ai que não é sempre das tarefas mais fáceis.
Prezamos por demais nossa zona de conforto, os riscos mesmo dentro daquilo que conhecemos já são tantos, imagine para além da linha conhecida... Para além disso, há também o medo – e a dor.
O medo do que está por vir, do que o futuro nos trará e que nos é totalmente desconhecido ainda mais se iniciamos trilhas ainda não mapeadas por nós.
E a dor. A dor do processo de desapegar, de deixar ir, de dizer adeus ao que conhecíamos e que nos trazia alguma sensação de segurança – (de ilusão) de controle.
E quando nos vencemos a nós mesmos e iniciamos a navegação por águas desconhecidas, não significa que chegaremos seguros ao outro lado. Nem implica que não haverão mais e outros mares e oceanos a desbravar. Não mesmo – e até o contrário disso. Quanto mais descobrimos, quanto mais mares navegamos, mais descobrimos que nos falta navegar.
O instante de parar as descobertas é uma escolha (como tudo). Mas parar muitas vezes significa... resistir. Resistir ao novo, resistir à descoberta, resistir à evolução e ao aprendizado. E não é justamente o aprendizado que nos dá a emoção da vida? Da verdadeira vida?
Estar vivo (verdadeiramente vivo) não me parece que seja estacionar. Nem criar raízes tão fundas que nos impeça o movimento, nem mesmo levantar paredes (seguras) tão altas e sólidas que acabam por nos impedir de olhar tudo que há (e vive, e pulsa) através delas.
Mas não é fácil. Deixar a vida fluir, deixar soprar os ventos de mudança e dançar ao sabor da brisa que chega (seja ela qual for) custa muito. Custa o risco do vento nos carregar para outro lugar qualquer, tirando nossos pés do chão e levando-nos (quem sabe) até para o outro lado do mundo. Há que se desapegar do chão onde estão nossos pés. Há que se desprender do que se sabe, do que se espera, talvez até do que se tem.

Resistir diante de uma realidade distinta custa. Deixar fluir a nova realidade custa também. No fundo, a escolha se deve as prioridades que se tem. Se é manter-se na zona de conforto (até que o vento se torne tão forte que nos arremete ao longe talvez em pedaços) ou se é deixar fluir a própria energia da descoberta e aprendizado – do mundo e de nós mesmos. 

27 de jul. de 2014

Cardume

Era um lindo cardume, um prateado, unido e veloz conjunto de peixes. Nadavam e rodopiavam brincando uns com os outros enquanto assim aprendiam técnicas de defesa e fuga.

Porém, um dia nasceu um peixe diferente. Era prateado como os outros, mas era frágil.

Extremamente frágil, não tão ágil quanto os outros, nem tinha as nadadeiras fortes e sadias como tinham os outros. Dizem que quando algum sentido falha, outros se desenvolvem mais para “equilibrar” o todo.

Assim foi, que o frágil peixinho aproveitou-se de sua fragilidade para desenvolver ainda mais sua sensibilidade. Era sua arma secreta, poderosa – enxergar e compreender os corações dos outros peixes. Essa era sua força maior.

Mas imagine só, o que era para um peixinho assim o sentido do cardume. Cada outro peixe era como se fosse ele próprio, talvez até mais do que ele mesmo deveria ser. Cada dificuldade que o cardume enfrentava, era como se fosse uma questão de honra, dever e missão para o peixinho que todos saíssem da crise intactos, sem arranhões, machucados e mesmo sem nenhuma tristeza.

Pobre peixinho! Que assumiu pra si uma missão impossível... a de prevenir e remediar as dores e dificuldades do mundo para seu cardume.

Quando ria, o peixinho sentia de tal forma a intensidade de sua alegria que causava câimbras em sua boca e lagriminhas em seus olhos já molhados pelo oceano. Mas quando sentia que algum peixe do seu cardume tinha dificuldades ou problemas, transtornava-se de tal forma que pegava para si as dores do outro e as sentia tão ou mais intensamente que o próprio peixe dono daquela dor.

De alguma forma, o peixinho acreditava que o cardume vivia sob a luz e proteção do Sol, que era como se vivessem em uma bolha dentro do mar. Tudo era e deveria ser sempe perfeito, intocável, mágico.

Pouco a pouco o tempo foi passando, e o peixinho foi se dando conta de que existiam perigos no fundo do mar... rochas, sombras, predadores... Percebeu que até em seu próprio cardume haviam problemas, que nem todos os peixes conseguiam compreender uns aos outros, que nem sempre respeitavam-se ou protegiam-se como tentava fazer o pequeno peixe.

Começou a fazer passeios sozinho, nadava até onde conseguiam ir as suas fracas nadadeiras.

Para alcançar distâncias cada vez maiores, impunha-se tamanha determinação que suas nadadeiras muitas vezes doíam e sangravam, deixando o peixinho com cicatrizes permanentes. Ele queria ser forte, menos frágil... mas não conseguia, por mais que nadasse, retroceder o desenvolvimento da sua sensibilidade, nem mesmo sufocá-la com as marcas das suas cicatrizes.

Em seus passeios, o peixinho encontrou-se com muitos outros peixinhos de cardumes diferentes, até com outras espécies que nunca tinha visto antes e que sabia, nada tinham de parecido com peixes. Descobriu que mesmo em outros cardumes, era sempre a mesma coisa. Haviam dificuldades, dores, tristezas... descobriu que não havia, por nenhum lugar dos que percorreu, nenhuma bolha de proteção e nem Sol que brilhasse dentro da água, só alguns reflexos que morriam pouco depois de brilharem na superfície do mar. O Sol não era para aquele universo líquido.

Nadando, se aventurando e descobrindo a si mesmo e aos outros, o peixinho deu-se conta de que por mais doloroso que fosse, sempre há uma espécie de equilíbrio interno, de capacidades e limites. Cada ser carregava talentos e fraquezas e não era possível ser possuidor de todos os talentos sem nenhuma fraqueza.

A força, o talento e a fraqueza do peixinho eram uma coisa só – o sentir. Precisava aprender a compreender melhor essa sua capacidade, para aprender a não morrer quando sentisse a perda e a morte, para não se torturar quando se sentisse traído, para não se abandonar quando se sentisse abandonado. O peixinho precisava aprender...

Dentro de si, o peixinho sabia... Precisava deixar, para suportar ser deixado. Precisava perder, para aprender a ter perdido. Não haveria outra forma de suportar os sentimentos que haviam no seu cardume, no seu oceano, no seu mundo e dentro dele mesmo.


Quando voltou ao seu cardume depois de mais um passeio, suas nadadeiras estavam ainda cheias de cicatrizes, mas mais fortes. Ele mesmo continuava frágil, mas mais preparado. E quando aconteciam as crises, doíam nele com a mesma intensidade, mas ele havia aprendido a suportá-las.

10 de jul. de 2014

Asas

Os pensamentos corriam acelerados, confusos, exponenciais dentro da mente. Enquanto imagens ocorriam-lhe ao pensamento, paisagens passavam por baixo de seus pequenos olhos de passarinho em alta velocidade.

Na cabeça, a imagens dos pais, dos avós, das cenas de infância, dos risos e das lágrimas. As paisagens passavam por baixo dele, e os seus olhos olhavam em todas as direções e nada enxergavam, eram pensamentos e lembranças demais...

Cada momento vivido passava em sua pequena cabecinha assustada, todos os sentimentos vividos em uma recordação alucinante. As brincadeiras no colégio, os passeios na fazenda, as histórias antes de dormir, as refeições e as conversas, os abraços e as saudades... tudo de uma única vez, lembranças de todos aqueles que haviam construído seu caminho e compartilhado dele por tanto tempo. Eram lembranças demais, pulsos demais.

O passarinho voava assustado, confuso, perdido... Num ato desesperado em conter o voo tão acelerado e perdido que poderia acabar por matá-lo, nem esforço consciente tremendo, forçou-se a abrir os olhos. E abriu-os.


Viu ao mesmo tempo em que as paisagens passavam por baixo dele, passarem em sua mente todas as lembranças de sua pequena vida. Sentiu-se saudoso, agradecido, contente... então, com esses olhos gratos e cheios de saudades, percebeu-se das paisagens que estavam a passar por baixo dele... ele estava a voar! Sim!!! Não tinha se dado conta! Estava a voar mesmo, em pleno mundo a céu aberto!

Pensava tanto em tudo que havia passado, que esqueceu-se daquele desejo inocente, poderoso, absoluto que havia nascido um dia em seu coração... aquele velho companheiro, aquele antigo desejo de liberdade... 

Ele havia desejado, ele havia conquistado! Sim... todos os desejos, por mais pequenininhos que pareçam, por mais frágeis e singelos que sejam, todos os desejos que nascem no coração são únicos, possíveis, reais... Ele havia depois de ter-se esquecido do que estava a fazer, conquistado seu próprio voo.

4 de abr. de 2014

Quando não sei

Quando não sei

Por vezes há barulho demais. Um barulho interno, uma mistura e uma confusão de pensamentos e escolhas possíveis – barulhos demais. E então fico sem saber. Quando as alternativas são todas e nenhuma; quando os caminhos são diversos e em diversas direções – fico sem saber.

E quando não sei, é tempo de silenciar. Deixar os barulhos “barulharem” e deixar-me estar à parte, à margem, aguardando o silêncio chegar. Deixar falarem as vozes altas, os gritos e as turbulências e aguardar a calmaria regressar.

Quando não sei, é preciso deixar minha mente gritar o quanto quiser, meus pensamentos voarem tudo o que têm para voar – e manter o coração resguardado e em silêncio; esperar.

Pois é preciso primeiro o barulho, para depois o silêncio fazer-se ouvir. É preciso primeiro a turbulência para a calmaria poder depois entrar.

Quando não sei, simplesmente não sei. Não sei nada – e é tempo de esperar. Esperar não significa passividade ou inércia. Não adianta içar as velas em mares demasiado agitados – irão rasgar-se. É preciso deixar a correnteza levar, manter a atenção e aguardar o instante exato para conduzir a embarcação.


Quando não sei, é a atenção e o estado de alerta o que resta. Reconhecer o instante em que os gritos da mente tornam-se meros sussurros – só então o coração poderá falar livremente e se fazer ouvir.

25 de mar. de 2014

E se há algo que me traduz, é isso e pouco além disso... os espaços de silêncio e de amor, de escrever e de sonhar... Na minha própria bagunça, a disciplina de apenas ser...

12 de mar. de 2014

Dois Lados

Ando por essa ponte, tão alta e tão estreita que balança para a direita, balança para a esquerda, estremece, ameaça mas não cai nem tão pouco se equilibra.

Essa ponte que me divide, que me corta e me separa pelo meio. Uma metade terra, a outra metade ar. Uma metade terrena, a outra metade luz. E o coração por inteiro em cada uma das metades.

O amor do espírito e o amor da luz. E não, não me digam que se trata do mesmo amor. Pois não é. Não é e nem é ao menos parecido. São mais opostos do que semelhantes. Em comum muitas coisas, desde que não se trate de escolhas – apenas de sentimento. Pois em comum está o desejo do bem, a intenção de saber o coração amado, feliz. E apenas isso, pois de resto se conflitam, se atormentam. O amor do espírito gosta da proximidade, do abrigo, do conforto na alma. O amor da luz não vê distância, nem sequer se importa com a existência ou ausência de tempo e espaço. Nem mesmo considera essas coisas – elas não existem. O amor do espírito busca, procura crescer, amadurecer, auxiliar. É ativo e entusiasta. O amor da luz é passivo, transcende por osmose, é como a luz refletida por um lago – o movimento pode ou não existir nas águas, a luminosidade não se altera.

E essa ponte, essa trilha é estreita, é de extremos, é incerta. Não há desvio errado ou ruim, não há escolha mal feita. Mas há escolha.

E as escolhas envolvem ganhos, envolvem perdas. E envolve amor. Tudo envolve amor.

Qual é o amor mais forte? Qual é o amor mais certo?

Mas há talvez o amor mais desapegado, o mais calmo, o mais humilde. O amor da compreensão e abnegação, o amor imutável, inatingível, a chama que arde para sempre.

Talvez nem seja nada disso. Talvez não existam diferentes amores, talvez a única coisa que os diferencie seja o foco – e o sentimento seja então sempre o mesmo.

Pode sim haver o foco talvez no espírito, talvez na luz, talvez num anseio ou em um desejo. Mas quem sabe sejam apenas os focos...

Focar em uma paixão, focar em um trabalho, em uma ambição... o foco, embora o sentimento seja o mesmo. O puro, o poderoso amor.

E nossas histórias, nossas experiências, nossos medos e nossas dores sejam a lente de nossos focos. E não poderão haver focos errados, mas sim em seu lugar mágoas profundas... como alterar a lente para obter diferente imagem? A imagem não muda... mudam os nossos olhos.

E então, no fundo de tudo, o amor. Pura e unicamente o amor. O amor que desfocado causa as guerras, as ofensas, as injúrias. As traições, as violências, as torturas. Tudo apenas amor. Amor para defender a ferida inflamada, para proteger as esperanças dilaceradas e as perdas ao menos suportáveis. As eternas procuras por justificativas, desculpas para agir conforme o foco do nosso amor...

E assim minha ponte desaba, não oscila, experimenta balançar de forma mais lenta e contida, experimentando o ligeiro movimento. Estremece e para, avaliando se afinal deixaram de existir as metades esquerda e direita. Parece que fundiram-se, encontraram a forma de as unir.


Podemos nos tornar caleidoscópios, cristais... reflexos de um único sentimento capaz de transbordar em todas as direções.

21 de fev. de 2014

Aos meus pecados

Aos meus pecados...

Ai, que eu sei que foram muitos... tantos ainda são!

As intenções, garanto, é que sempre foram as melhores... sempre, desde que me lembro. Tento pensar em alguma vez eu que eu tenha desejado algo de ruim para alguém... desejado mesmo, a sério. Não me lembro de uma única vez sequer. Mas vale isso de alguma coisa, se intenções são apenas “in”, tipo de “inside” (dentro)?

Algumas pessoas me feriram, magoaram, machucaram mesmo. Se intencionalmente ou não, não faço idéia. 

Mas machucaram na mesma... E será que eu não posso ter alguma vez, feito o mesmo? Machucado sem a intenção de machucar?

Tento me lembrar de todas as lágrimas que vi, de todas as acusações que ouvi... Será que uma delas, alguma delas, teve verdade profunda e sincera?

Se tiveram, erros meus – pecados meus.

Mas no momento de agora, nesse instante, é de tal forma absoluta que me entrego! Entrego o ego e os erros, os crimes e os castigos. Entrego minha verdade, minhas aflições e minhas angústias. Entrego tudo aquilo que penso que sei, que penso que conheço.

Entrego tudo aquilo que acho, que suponho – pois de nada, absolutamente nada, sei eu.

De que adiantam as intenções, se elas se baseiam no suposto? No me nós supomos?

Ah... para o raio as minhas boas intenções, se de nem um ato se transformaram!

Sou boa o bastante? Competente o bastante? Eficiente o bastante? Que bobagem!

Pois de nada – NADA! Valem tais créditos, ou mesmo tais atos. Me tinha esquecido desses valores tão vitais! Tão fundamentais! O valor da humanidade. Da decência.

Preciso também entregar meu orgulho... Entrego meu orgulho, abelhinha tão feroz que pica e envenena. Esse orgulho besta da minha decência (pois sim, minha alma mais que eu, é decente!). Entrego também esse orgulho, que de nada me inocenta  ou evolui. Está entregue.

Junto, entrego qualquer e toda vaidade minha, pois minha vaidade é a do tipo pior – não é a do corpo, é a interior. Lustro minhas qualidades e ressalto meus talentos como troféus – entrego também toda a minha mediocridade.

Que eu me lembre e jamais esqueça dos valores – apenas os valores interiores, esses que tanto quero cultivar ainda que nunca produzam flores – apenas o cultivo já faz valer a pena.

Que também, para alem dos meus pecados, sejam também perdoados os pecados dos outros. De todos os outros. Porque ainda que de nada valham as intenções, mesmo as boas intenções, estas floresceram de uma terra sofrida, houve alguma força e desejo sincero do bem.

Perdoa os pecados, todos eles. Os meus e os dos outros; os dos outros e os meus.

E leva também junto essa minha vontade de saber. Preciso mesmo tanto saber? É mesmo tão importante assim saber aonde vou viver amanhã? Ou o que vou fazer, o que vou comer, aonde vou estar?

Não foi sempre a Providência que tudo providenciou? Sem nenhuma falta, sem nenhuma dor? As dores que vieram foram todas suportáveis...

Leva também, se for isso possível, meus crimes e os meus castigos. Pois tenho medo dos castigos... será que posso pedir deles a absolvição? (Já que estou a pedir... posso tentar pedir também mais isso, né?)

Enfim... somos tão horrorosamente frágeis e estúpidos! Perdoa essa nossa ignorância e estupidez, de nós como sendo toda a humanidade. Devíamos e tínhamos que ser melhores. Era essa a nossa única e verdadeira obrigação, não era?

Fica o pedido, o apelo, a certeza do retorno.


Amén. 

2 de fev. de 2014

Quando eu olho assim...

Quando eu olho assim, através das grades da janela o gramado tão verde, tão aberto, com árvores e passarinhos, com o sossego da natureza e a linha do horizonte ao longe...
Quando eu vejo o sol radiante lá fora, o ar fresco pelos arredores, a calmaria do campo...
Quando eu vejo, tenho vontade de chorar.
Uma tristeza tão intensa, tão funda... como as grades da janela separassem o sonho da dura e crua realidade.
Quando eu olho assim... e vejo a vida ao longe, a alegria da liberdade a soprar entre os ramos no chão... sinto tanta, mas tanta vontade de chorar!
Um mundo tão lindo... tão, mas tão lindo!
E o que foi que fizemos com ele? No quê o transformamos?
Minha culpa, minha mais ainda que de todos... como tanto escreveu Fiódor Dostoiévski...
Quando eu olho assim... e vejo a simplicidade de um pequeno cão brincando pela grama, tantas e tantas lembranças me ocorrem... me assombram, alegram e entristecem.
Era para ser um paraíso, um refúgio, um abrigo.
O paraíso não devería sermos nós?
Será que terei que ir-me embora?
Será que acabaram-se os abrigos? Os refúgios?
Acabaram-se.
Posso tentar refugiar-me em mim mesma... ou posso tentar aprender a não precisar de refúgio... Será isso possível?
Quando olho assim... através das grades da janela... penso se isso (tudo o que era) será ainda possível.
Talvez, só talvez...
... eu tenha que ir-me embora.

19 de jan. de 2014

"E então eu não sei...

Não sei dos caminhos tortos, das dúvidas conflituosas, das certezas agudas... eu já não sei.

Perco-me, e no perder-me, me encontro, me confronto.

Tantos “por quês” e tantas certezas, tanta obstinação e tanta firmeza... fazem sentido?

Essa coisa regrada, imposta, ditada... essa barreira oculta, firme e gélida... precisa?

Que não haja qualquer certeza então, ainda e mesmo aquela certeza de reencontro... que não haja então, se o incerto é o mais leve e real, o mais duro e o mais presente... o incerto, o duvidoso, o frágil e o vulnerável... aquilo que não se sabe e não se espera, aquilo que vem e ferve a alma da gente, entorta e torce a alma da gente como um lençol em mãos de lavadeira.

O que é o mais escuro, o mais profundo e o mais angustiante da alma de alguém... aquilo que grita por socorro, que geme por compaixão. Aquilo que grita de dor, que murmura de desespero... Aquilo que existe dentro de toda gente, e de gente nenhuma...

Aquilo que se esconde no fundo da alma de quem tem medo, de quem grita uma raiva que não se entende...

Aquilo que chegou de surpresa,que deturpou tudo o que eu sabia, que engoliu tudo que eu pensava... aquilo que me tirou o chão e me deixou à vagar pelo espaço...

Aquilo que eu não sei como se chama, ou se chama-se qualquer coisa.

Aquilo que me provoca dor, pesar... aquilo que me pesa sobre os ombros e sobre os olhos... aquilo que meu coração não aceita, que minha fé rejeita, aquilo que não consigo acreditar.

Um desimportar agudo, agressivo, de quem teve tudo arrancado de si. Tudo arrancado e amassado, torturado... de quem perdeu a certeza, de quem perdeu a fé, a alma, o coração.

De quem teve alguma coisa tão torta, tão dura, que não sabe o que fazer.

Percebo toda a minha vaidade na minha necessidade de precisar entender o “por quê”, como se eu fosse capaz de ao entender, salvar.

E por que essa vontade de salvar o que já nem sequer mais lá está?

Salvar qual alma perdida, que perdeu-se sabe-se lá o quando ou o por que...

Uma dor que me arranca as lágrimas que já nem tenho, e eu, abaixada até o mais baixo nível que meu corpo consiga descer, com o nariz a tocar o chão da forma mais humilde que se possa haver... preciso mesmo tentar salvar?"

31 de dez. de 2013

Eu queria ter na vida simplesmente...

34 anos que nos últimos anos, pareceram décadas. Nos últimos três ou quatro anos vivi tanto e tantas coisas, que a definição do que chamamos “tempo” ficou meio que ridícula e absurda...

Lembro-me de Albufeira e meu pensamento se volta para São Joaquim da Barra... O cérebro se revira e volta a Santos, pulando para Silves e Alvor.

Cada lugar uma história, uma vida inteira... E Portimão então?! Não só uma vida, mas o pedaço de uma eternidade, de um próprio pedaço de mim que lá está entre gatos, árvores, horta e cães. Um pedaço tão grande que me faz estar lá, enxergar, ouvir, sentir lá... Minha querida amiga!

Aliás... Para além desse imenso pedaço de mim existem outros... Menores e talvez ainda mais delicados, frágeis...

Um pedaço em Lisboa, terra tão linda! Tão amada, tão querida! Lisboa é, definitivamente, um pedaço de mim. De CCB à Gulbenkian, ao Bairro Alto, Mártires da Pátria ao Rossio, ao Marquês... Um grande pedaço de mim! Talvez também pelos olhos que se tornaram para mim, os olhos de Lisboa... Com a mesma luminosidade e brilho que Lisboa tem quando o sol dorme, com os cabelos lisos e compridos como o vento a soprar pelo Tejo... A voz, o sussurro que mais meus ouvidos esperaram ouvir, a sonoridade da própria Lisboa através do fado ou de uma estonteante guitarra portuguesa... Ah!... Lisboa!!! Ah!... Meu amigo...

Um pedaço lá em Silves... Terra tão distante e tão pertinho... Um mundo com um universo de raiz em mim... O canto dos pássaros, o barulho dos ventos, as estrelas (ah... as estrelas!) daquele céu. O céu da minha alma, o sangue do meu coração. O arrepio e o tremor da minha pele, a vida que as veias conduzem ao meu ser. O barulho ao fechar o portão, a brisa fresca no rosto, a terra firme aos meus pés, as estrelas sobre mim... Minha alma chora emocionada ao constatar: é verdade! É vivi isso! Eu realizei isso! Eu me permiti apenas ser... Em algum lugar, tão longe e tão perto, esse mundo existe, persiste, sobrevive, vive dentro de mim. Uma espera meio que sempre constante, um paraíso, uma casinha, um refúgio para a felicidade... Um amor para a vida inteira e mais além.
Não dá para não falar das noites... As noites quentes, ferventes de verão e as noites frias, escuras do inverno...

Albufeira... O abandono e o encontro, a chegada e a partida. A solidão... E a tempestade. Albufeira não é um pedaço, é um buraco, é um estupro. É uma violência, uma paixão... Uma loucura insana, uma insanidade louca. Todos os lugares e lugar nenhum, lugar nenhum e todos os lugares. Lá eu cresci. Lá eu aprendi. Lá eu sofri.

Um sofrimento grato, uma melancolia saudável. Vi-me só e tinha o mundo ao meu redor. Tinha o mundo ao meu redor e me senti... Só... Amigos que foram mais que amigos, deram a força para continuar. Deram a vida que tinham nas veias, para que as veias continuassem a pulsar. Das personagens clássicas às anônimas, às ocultas, às do holofote. Mandinho e seus cães... Como vão vocês? Saudades de Albufeira... Das paisagens e das rochas, das pessoas e dos barulhos, das sombras e dos silêncios.

Pedaços de mim por diversos lugares, pedaços de mim que levo comigo e que ficaram espalhados, dividindo-me ao meio.

Olhar onde estou agora, como se eu estivesse a resgatar pedaços ainda mais distantes de uma vida que já foi há muito tempo atrás, como se o tempo que distanciasse as histórias tivesse o poder de juntá-las todas em um determinado espaço – o espaço em que vivo agora.

Vejo-me por aqui ainda criança, as aventuras, alegrias e tristezas. Um lugar de onde saem as raízes e as árvores, onde a Terra para de girar um pouco para que possa ser tomado novo fôlego.

O ano novo não é hoje, foi quando voltei. Para me despedir dos anos velhos, para abrir espaço para os novos anos.

2014 e eu não sei se terei comigo todos esses pedaços reunidos, ou se terei em algum dia. Talvez eu me parta em ainda mais novos pedacinhos, os de pessoas que entraram e vão entrando na minha vida como novos capítulos de novas histórias... Mas espera, espera!!! Tenho ainda tantas histórias que não passei sequer para o papel!!!

Lisboa ainda não foi escrita, mesmo que a história principal tenha encontrado um capítulo novo com mais espaços e parágrafos...

Silves ainda existe e existirá sempre, nem tudo foi escrito... Nem tudo foi vivido ainda...

Albufeira não posso dizer em que ponto está, pode ser escrita, mas ainda não foi...

E Alvor? E Portimão? E Évora? E Monsaraz? E outros pedaços, mais dispersos, como Fátima, Espanha, Figueira da Foz? E Brasil? E São Joaquim da Barra, Cordeirópolis, Santos?

Há muito ainda o que escrever, o que lembrar, o que reviver...

Espaços novos sendo abertos, o universo se multiplicando ao infinito nos pedaços que se despedem e voltam para dentro de mim...


Feliz 2014, com salões mais amplos no peito para guardar mais pedaços, mais vidas, mais amor e compaixão, reter mais lembranças, aumentar mais as esperanças e esperar por mais reencontros.

8 de dez. de 2013

Em Branco

Uma página em branco, como a que tenho na minha frente agora...

Milhares de pensamentos e de palavras, sentimentos que eu queria entender e traduzir para o papel, como tento agora...

Mas o papel é silêncio - não me responde. Não me esclarece.

Sem imagens ou cores, está em branco... são só memórias.

Assim como quando penso ou falo em pensamento com vocês - nem sempre há resposta.

No branco do papel tudo é possível, toda cor cabe, toda palavra pode ser escrita... mas a base é o branco. O cheio ou o vazio, depende do sentimento do instante.

Só o que não vejo ser totalmente possível nesse branco é o teletransporte... aquele que seria real e verdadeiro, que faz os olhares de cruzarem, as mãos se entrelaçarem, o abraço aquecer.

De certa forma, vejo o relógio correr para trás enquanto minhas pernas seguem no caminho para frente.

Meu coração (tão insano!) se conforta com a certeza da necessidade de eu estar aqui: ver, ouvir e abraçar os meus. Também e não menos importante, estabelecer as formas de meu relacionamento e amor com quem me rodeia.

Estou vendo e participando de evoluções importantes, a conquista e a realização de sonhos e a suada e batalhada liberdade acontecendo.

Olho com olhos de abraço outras gerações, a brigar contra as correntes invisíveis deles mesmos, a tentar abrir caminho por uma estrada já aberta - onde o que se faz necessário é apenas o ir... o que me lembra muito eu mesma.

Vivo os dias com a comunhão entre a paz e o desespero, a felicidade e a aflição.

Sei o quanto devo, por mim mesma, estar aqui e o quanto é certo este estar.

Algumas peças ainda parecem precisar tomar forma mais definida, mas não há pressa.

Não compreendo ainda muito bem alguns papéis na minha história presente, mas parece certo que tudo logo irá fazer sentido - mesmo o que ainda não faz.

Das coisas que lamento, a maior e talvez a única seja a distância. Esse oceano imenso que mostra toda a sua fúria através da própria imensidão que possui. Se fosse um riacho apenas (e com uma ponte a atravessá-lo), seria manso...

Talvez assim, a própria vida também fosse.

6 de dez. de 2013

Somas

"Somos somatórias. Somatórias de nossos medos 
de nossos sonhos, de nossos pensamentos e de nossas atitudes. Somos somatória do que vivemos e somatória do que nos rodeia. As escolhas do que somamos é, em grande parte, de nós mesmos. Seja nossa alegria, seja nossa dor." Agape

18 de jul. de 2013

Coelhinhos









Até que para um ser tão pequenininho, ela andou bastante, explorou os caminhos que apareceram e ainda criou alguns outros quantos, se aventurando como fazem os coelhinhos quando saem da toca para conhecer as redondezas.

Teria andado mais, teria feito caminhos novos e quem sabe teria até criado alguns, de acordo com as asas da imaginação que tinha. Para uma coelhinha, ela até tinha uma grande imaginação.

Quando parou, não foi porque a imaginação havia acabado, ou por causa das perninhas curtas ou cansadas. Quando ela parou, não foi porque faltava força nas pernas traseiras para o impulso dos saltos, nem porque apareceram cercados ou abismos. Foi o medo.

Medo que ela sabia muito bem que era o maior inimigo de todos os coelhos, o medo que paralisa quando deveria impulsionar adiante. Mas esse medo que a fez parar era diferente.

Ela não tinha medo dos buracos, ou dos lobos e raposas, ou de algum outro predador qualquer. Também não tinha medo de se perder (já dizia uma grande escritora que perder-se era também um caminho).

Esse medo era outro. Era o medo de que não compreendessem.

Não era um problema os possíveis buracos, abismos, predadores, machucados ou perigos.

É muito mais fácil não termos medo por nós, mas o medo pelos outros. Quando digo os outros, falo daqueles que são os importantes, os principais, os maiores.

Para ela o importante era o caminho, não faziam mal os tropeços ou possíveis consequências. Mas para os outros isso poderia ser importante.

Se o buraco fosse muito fundo, ou se o pior pudesse acontecer, estaria tudo bem para ela – mas estaria para aqueles que a tinham como um dos mais importantes?

Quando, feito o coelho que era, ela foi procurar conhecer o que havia para além do conhecido foi o instinto, a vontade, o desejo de ver o que outros coelhos talvez não tivessem nunca visto ou vivido. Mas era também uma coisa egoísta.

Ela teria histórias, teria vivido uma porção de coisas, aventuras, experiências. Teria vivido uma vida rica, dessas que valem mesmo a pena viver – principalmente para um coelho.

Mas quando chegasse às pessoas importantes alguma notícia menos boa, ou mesmo ruim, iriam eles ter a mesma certeza que ela tinha de que valia a pena, de que teria valido a pena?

Entre os saltinhos de um coelho livre e contente ela pensou sobre isso, e teve medo, e parou. Aquele medo típico dos coelhos ao ver uma serpente – aquele medo que paralisa.

Então ela também pensou na situação oposta... saberia ela entender que os riscos e perigos que cercam aquelas pessoas importantes também fazem parte da vida, e saberia ela compreender e aceitar as escolhas que levariam à possíveis buracos e perigos para essas pessoas?

Teria ela a mesma consciência e certeza que ela esperaria que tivessem caso fosse ela a cair em algum buraco perigoso?

Era muito mais simples e mais fácil percorrer o mundo inteiro, aceitando seus perigos e riscos quando fosse ela mesma a arriscar. Quando os riscos eram para aqueles que viviam no pequeno coração de coelho dela, a história nem sempre era tão fácil ou tão simples...

Foi então que ela percebeu. Já não era mais uma coelhinha explorando o mundo fora da toca, era uma coelha já grande, crescida, e responsável por cada escolha, caminho, perigo ou risco que houvesse.

Aquele medo paralisante ainda estava ali, mas já não paralisava mais – era possível olhar nos olhos da serpente e escolher ficar parada, lutar ou fugir. Qualquer escolha valia, qualquer atitude era acertada. Só uma coisa era importante – mais importante naquele instante que qualquer outra:

Que as pessoas importantes soubessem que os riscos assumidos valeram a pena, valiam a pena e continuariam a valer – eram caminhos (e não existem caminhos errados, todos mostram paisagens e trazem as experiências que foram procuradas). Era importante que as pessoas importantes soubessem que tudo valera a pena. Era importante que ela também carregasse essa certeza em relação às pessoas importantes.

O respeito absoluto pelas escolhas alheias, a aceitação incondicional sobre a verdade que cada um carrega e escolhe lá dentro de si – essa era a grande diferença entre a coelhinha que saiu da toca e a coelha de agora... o aprendizado do que é (e deveria ter sido sempre) o amor.

22 de mai. de 2013

Há dias...



Há dias (e noites) assim... em que tento recriar no pensamento o cenário perfeito, a memória perfeita do sentir-se segura, sentir-se em paz e em conformidade com a vida.

Dias em que, ainda que pareça estar tudo sem sentido, procuro a solidez e o sossego de alguma lembrança para recordar a sensação de estar tudo bem.

Noites em que o sono não vem, e ao fechar os olhos o que vejo são pessoas, situações e imagens que já não existem mais.

Quando quero, em meus pensamentos, retornar ao que era certo, seguro, pacífico, os sonhos se dissolvem, o sono se retira, fica o pensar e o esforço em lembrar, revirando páginas, imagens e escombros nas prateleiras do que lembro.

Quando consigo voltar (e parece que cada vez o caminho de voltar é mais comprido e longe) e resgato o sentimento de coração em paz, penso em quanto tempo se passou, quantos anos, ilusões e enganos cobriram aquele tempo, e então o sono se vai de vez.

Ficam os fantasmas a mostrar quantas águas passaram, e o quanto dessa água nem sequer era límpida. 

Ficam as sombras e as sobras, e os restos que carrego em mim do barro com que moldei as frágeis lembranças.

Há dias e noites assim... em que súbito vem o desejo de lembrar e depois a certeza de que as lembranças são mais sentimentos que verdades.

Há dias e noites assim, que trazem novas manhãs, novas necessidades de abrir os olhos e seguir adiante, pisando nesse barro frágil e já muito usado, fazendo o melhor e o possível para moldar novas formas.

Há dias em que sou restos e farrapos de quem eu antes fui.