27 de jul. de 2014

Cardume

Era um lindo cardume, um prateado, unido e veloz conjunto de peixes. Nadavam e rodopiavam brincando uns com os outros enquanto assim aprendiam técnicas de defesa e fuga.

Porém, um dia nasceu um peixe diferente. Era prateado como os outros, mas era frágil.

Extremamente frágil, não tão ágil quanto os outros, nem tinha as nadadeiras fortes e sadias como tinham os outros. Dizem que quando algum sentido falha, outros se desenvolvem mais para “equilibrar” o todo.

Assim foi, que o frágil peixinho aproveitou-se de sua fragilidade para desenvolver ainda mais sua sensibilidade. Era sua arma secreta, poderosa – enxergar e compreender os corações dos outros peixes. Essa era sua força maior.

Mas imagine só, o que era para um peixinho assim o sentido do cardume. Cada outro peixe era como se fosse ele próprio, talvez até mais do que ele mesmo deveria ser. Cada dificuldade que o cardume enfrentava, era como se fosse uma questão de honra, dever e missão para o peixinho que todos saíssem da crise intactos, sem arranhões, machucados e mesmo sem nenhuma tristeza.

Pobre peixinho! Que assumiu pra si uma missão impossível... a de prevenir e remediar as dores e dificuldades do mundo para seu cardume.

Quando ria, o peixinho sentia de tal forma a intensidade de sua alegria que causava câimbras em sua boca e lagriminhas em seus olhos já molhados pelo oceano. Mas quando sentia que algum peixe do seu cardume tinha dificuldades ou problemas, transtornava-se de tal forma que pegava para si as dores do outro e as sentia tão ou mais intensamente que o próprio peixe dono daquela dor.

De alguma forma, o peixinho acreditava que o cardume vivia sob a luz e proteção do Sol, que era como se vivessem em uma bolha dentro do mar. Tudo era e deveria ser sempe perfeito, intocável, mágico.

Pouco a pouco o tempo foi passando, e o peixinho foi se dando conta de que existiam perigos no fundo do mar... rochas, sombras, predadores... Percebeu que até em seu próprio cardume haviam problemas, que nem todos os peixes conseguiam compreender uns aos outros, que nem sempre respeitavam-se ou protegiam-se como tentava fazer o pequeno peixe.

Começou a fazer passeios sozinho, nadava até onde conseguiam ir as suas fracas nadadeiras.

Para alcançar distâncias cada vez maiores, impunha-se tamanha determinação que suas nadadeiras muitas vezes doíam e sangravam, deixando o peixinho com cicatrizes permanentes. Ele queria ser forte, menos frágil... mas não conseguia, por mais que nadasse, retroceder o desenvolvimento da sua sensibilidade, nem mesmo sufocá-la com as marcas das suas cicatrizes.

Em seus passeios, o peixinho encontrou-se com muitos outros peixinhos de cardumes diferentes, até com outras espécies que nunca tinha visto antes e que sabia, nada tinham de parecido com peixes. Descobriu que mesmo em outros cardumes, era sempre a mesma coisa. Haviam dificuldades, dores, tristezas... descobriu que não havia, por nenhum lugar dos que percorreu, nenhuma bolha de proteção e nem Sol que brilhasse dentro da água, só alguns reflexos que morriam pouco depois de brilharem na superfície do mar. O Sol não era para aquele universo líquido.

Nadando, se aventurando e descobrindo a si mesmo e aos outros, o peixinho deu-se conta de que por mais doloroso que fosse, sempre há uma espécie de equilíbrio interno, de capacidades e limites. Cada ser carregava talentos e fraquezas e não era possível ser possuidor de todos os talentos sem nenhuma fraqueza.

A força, o talento e a fraqueza do peixinho eram uma coisa só – o sentir. Precisava aprender a compreender melhor essa sua capacidade, para aprender a não morrer quando sentisse a perda e a morte, para não se torturar quando se sentisse traído, para não se abandonar quando se sentisse abandonado. O peixinho precisava aprender...

Dentro de si, o peixinho sabia... Precisava deixar, para suportar ser deixado. Precisava perder, para aprender a ter perdido. Não haveria outra forma de suportar os sentimentos que haviam no seu cardume, no seu oceano, no seu mundo e dentro dele mesmo.


Quando voltou ao seu cardume depois de mais um passeio, suas nadadeiras estavam ainda cheias de cicatrizes, mas mais fortes. Ele mesmo continuava frágil, mas mais preparado. E quando aconteciam as crises, doíam nele com a mesma intensidade, mas ele havia aprendido a suportá-las.

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