27 de mar. de 2012

É favor não confundir a autora com a personagem!


I

Cheguei meio que por acaso, sem ter a menor idéia de para onde ir. Pensei que poderia caminhar por horas, e não só pelos míseros quinze minutos que me custaram a chegar aqui.

Não fosse pela falta de bateria no mp3 e o casaco leve que eu vestia, teria ido muito mais longe sem dúvida.

Mas enfim, eu sabia que não haveriam outros hotéis por quilômetros, e a luz do dia já se escondia por trás da cidade, fazendo brilhar ainda mais fortes as luzes ao pé do castelo. O hotel tinha bom preço, se não tivesse não tenho idéia do que eu teria feito. Voltado para a casa, sentindo-me estúpida e sem saída, provavelmente.

Depois de subir ao quarto, com o estomago a revirar como se quisesse (ou pudesse) dar os gritos que minha garganta não dava, abri as janelas a olhar o castelo ao longe, fumei um cigarro e pus-me a pensar na vida, na minha vida, sem sentir qualquer pena de mim ou pelas minhas escolhas, mas sabendo que se naquele instante alguém me pudesse ver, não deixariam de sentir alguma comiseração, o que eu detestaria. Não conseguiriam entender que embora confusa, perdida e talvez assustada e preocupada, de alguma forma estava tudo bem.

Já não me faz mais qualquer sentido voltar para uma casa que não existe mais. Já não há qualquer razão para permanecer aqui ou para ir aonde quer que seja.

Sem casa, dinheiro ou trabalho, fica impossível ou ao menos muito difícil escolher os próximos passos para dar. Tanto faz...

Escrevo agora enquanto tomo na velocidade de uma tartaruga, uma sopa e uma pequena garrafa de vinho. Penso que com muita facilidade eu poderia abandonar as malas, roupas, computador e qualquer “coisa” (tudo isso são apenas coisas) que eu ainda tenha por hábito carregar comigo.
Se antes era uma brincadeira pensar e falar que eu atingiria um nível de desapego assim, e mergulharia em um caminho de auto conhecimento e solidão, hoje já não sei o quanto estou perto ou longe disso.

O que me parece poder ser mais “assustador” é o fato de eu não sentir arrependimento. De que adiantaria, afinal? Estou comigo e estou em mim, como poderia ser ruim?

Tenho de qualquer maneira de parar e pensar no que vou fazer amanhã. Será difícil e exigirá de mim pelo menos algum planejamento, ao menos alguma idéia de para onde ir. Pois definitivamente, já não é mais possível ficar.

Qualquer possibilidade disso morreu hoje, quando decidi ter ouvidos de ouvir e olhos de ver (a mim mesma e ao que me rodeia). A consciência passa longe de ser uma bênção...

Ir a Lisboa parece-me sem qualquer sentido, ir para o Porto igualmente...

Gostava de ter uma razão, por menor que fosse, para ir para qualquer lugar que fosse. Uma razão para ir, na esperança de encontrar uma razão qualquer para permanecer.

Eu pensei que seria aqui...

Talvez tais razões simplesmente não existam. Tenho algum medo de começar a vagar e perder-me cada vez mais.

O vinho vai a meio, o papel começa a acabar, os pensamentos procuram razão ou saída que sirvam de estímulo para enfrentar a manhã que a noite logo vai trazer, e o que eu percebo na escuridão vazia da minha mente é que já não há nada, destroços revirados, lembranças guardadas, já não há para onde direcionar o olhar.

Ao menos o vinho é bom e a visão que tenho do Castelo, linda.

II

Não imaginava como as coisas iam se desenrolar, ou como eu me veria tão rapidamente em uma outra cidade, com idéias e planos na mente, tendo já acontecido tanto (decisões?) em tão poucos dias.

É muito bom estar agora aqui com a janela para a varanda aberta, de onde posso ouvir o vento soprar nas árvores e as ondas arrebentarem junto a praia, um mar tão imenso entre uma encosta que mais parece de sonho, enquanto aguardo para ver o apartamento que poderá vir a ser a minha casa pelos próximos tempos.

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