25 de out. de 2011

Algumas reflexões (Parte I)

PARTE I Geralmente depois que escrevo alguma coisa fico a pensar que o que eu escrevo é na verdade bastante óbvio. Então, me pergunto o que me faz escrever sobre o que é óbvio. Escrevo porque parece que ainda que seja óbvio, a diferença entre o que se sabe na teoria e na prática parece ser cada vez maior... Vamos vivendo nossas vidas, nosso dia a dia cada vez mais ocupados e preocupados com nossa sobrevivência, nosso sustento e nossos objetivos. E tem mesmo que ser assim. Mas acredito existir a possibilidade de um equilíbrio entre o que são nossas ocupações, nossa luta por nosso sustento e sobre a pessoa que somos. Por que será que muitas vezes esquecemos de olhar para nós mesmos para podermos “cuidar” de nós? Não consigo aceitar que a ignorância de quem realmente somos seja a única alternativa possível para nossa sobrevivência. Isso não faz qualquer sentido. É como se passássemos a vida a seguir um caminho, sem sequer nos darmos conta do lugar em que estamos ou do que realmente queremos. Passamos a vida a buscar, não a viver. Vamos ao trabalho, às compras, aos compromissos. Vamos e vamos. Sempre a ir. Mas lembramos de nós pelo caminho? Lembramos mesmo de quem somos, daquilo que queremos, do que buscamos para nós? Lembramos-nos dos nossos sonhos, desejos, ideais, propósitos? De alguma forma, é como se mantivéssemos uma espécie de “piloto automático” para a vida. Mas a vida passa, e queremos passar mesmo por ela em modo “automático”? Não acredito que alguém realmente possa querer isso. Não se realmente chegar a pensar sobre isso. E existe alternativa? Existe, existe sim. A dificuldade disso é que ao longo do tempo de nossas vidas passamos por algumas “formatações”. Através daquilo que nos ensinam desde nossa infância e também na escola, no trabalho, no nosso círculo de amigos e família. Fomos “formatados” para nos destacar, para fazermos bem nossas obrigações, nossas responsabilidades. Para sermos realmente bons em qualquer coisa que façamos, isso para não dizer que se quisermos “vencer”, temos que ser os melhores. Um comportamento essencialmente competitivo, que hoje e cada vez mais se reflete nas coisas mais simples. Se você quiser ter muitos amigos, seja sempre alegre, simpático. Se você quiser reconhecimento, seja o melhor aluno, o mais empenhado e estudioso. Se você quiser se destacar no trabalho, seja o mais competente, o mais dedicado. Se você quiser parecer bonito (a), use as melhores roupas, tenha o melhor corpo, cuide bem da sua aparência. Estamos mesmo a falar de seres humanos? Que valores são esses?? São valores que fomos ensinados (formatados) para ter, afinal, nos ensinaram sobre a lei do mais forte, sobre o quanto nossa sobrevivência depende de sermos os melhores para termos as melhores coisas e conquistarmos os melhores lugares. Mas isso não é a verdade sobre a essência do ser humano. Essa apenas é a verdade sobre a essência do capitalismo, da falsa “democracia” em que vivemos, do ambiente e do sistema que temos a nossa volta. Não é de admirar tantas pessoas a se sentirem “sós” e refugiarem-se cada vez mais em tecnologias como redes sociais virtuais, jogos virtuais e coisas do gênero. Não há democracia alguma nisso, quando o “peso” da opinião de uma pessoa varia de acordo com o “poder” que essa pessoa possui. Isso passa longe de qualquer conceito ou ideia de fraternidade, de igualdade, de “bem comum”. Mas as coisas são um pouco mais profundas que isso. Esse comportamento está mais enraizado em nós do que isso. O que supostamente nos diz sobre a igualdade entre os homens também é o que promove o julgamento de uns para com os outros. Aquilo que deveria nos fazer vermos uns aos outros como iguais e irmãos é o que nos faz sentirmos superiores ou melhores que aqueles que supostamente nos são iguais. Que valores são esses?? Se hoje eu sei ou posso mais que outra pessoa, não é porque eu sou melhor. É porque tive oportunidades que a outra pessoa não teve. E se somos iguais, se vivemos democraticamente, como podem existir oportunidades diferentes para uns e outros? Como pode haver fome e falta de abrigo? Que sistema “democrático” é esse? E tudo isso seria redundante, e esse tempo que estou aqui escrevendo seria só mais um desfilar de palavras óbvias se não existisse solução. A solução existe, a dificuldade é que a solução implica trabalho. O custo da solução é termos coragem de abrir mão da nossa zona de conforto apática e hipócrita, o custo de revermos nossos conceitos sobre as coisas que nos ensinam desde que viemos ao mundo. O custo é pensarmos por nós próprios e não “comprar” pensamentos prontos que já vem manipulados com interesses específicos e arcaicos. Pensar por nós mesmos dá trabalho, e porque teríamos esse trabalho se temos todos os pensamentos e conclusões já feitos para nós “sob medida”? E que tal se pensarmos por nós mesmos uma vez que o que existe “pronto” simplesmente não funciona mais? E não funciona mesmo, quando se vêm pessoas sem abrigo a morrer de frio ou de fome – estando ou não diante dos nossos olhos. Também não funciona quando existem pessoas a lutar e a morrer na defesa dos ideais de uma minoria. Não funciona quando a sociedade doente se reflete nos índices de criminalidade, de baixa escolaridade, de filas nos hospitais. De doenças no corpo e na alma. É uma enorme conformidade e um estado por demais apático não tomarmos esses fatos como reflexos de uma sociedade doente. E sim, podemos continuar a fazer uso de paliativos, acreditando que cuidarmos apenas do nosso dia a dia e de nossa sobrevivência é o remédio para essa doença. Mas podemos também buscar a causa, ao invés de ignorarmos a doença mascarando apenas a dor que nos atinge. (Continua)

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