5 de ago. de 2020

Mar

Acho que eu nunca tinha escutado o barulho do mar até ontem. Ou melhor... tenho certeza.
Eu nunca tinha escutado o som do mar até ontem... não com todos os meus sentidos.
Precisei esquecer o que eu sabia sobre escutar, para conseguir ouvir. Ou melhor... precisei esquecer tudo que eu sabia, sobre tudo.
E foi sem querer, sem perceber, sem dar por mim que percebi que aquilo que eu estava a ouvir era o barulho do mar. Não, não foi bem assim. Aquilo que eu estava a ouvir com a pele, era o barulho do mar. Aquilo que eu estava a ouvir com os olhos, era o barulho do mar. Aquilo que eu estava a ouvir com o meu olfato, era o barulho do mar. Assim é que foi. Aquilo que eu estava a ouvir a pulsar no meu corpo, era o barulho do mar.
E só pude ouvir porque eu tinha os ouvidos tapados, impedidos de escutar... porque só escutavam o que meus olhos viam, o que meu olfato sentia, o que minha boca provava, o que minha pele sentia.
Assim, como agora... agora que eu me lembro do barulho do mar de ontem. Como eu me lembro da luz da lua. Como eu me lembro de mim. Era ontem e era 30 anos atrás. Era ontem e era a menina ao pé das escadas ainda na escola. Era ontem e era tudo que eu precisava esquecer, para conseguir me lembrar de quem sou... e finalmente, conseguir escutar o barulho do mar.

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