I
Cheguei meio que por acaso, sem ter a menor idéia de para
onde ir. Pensei que poderia caminhar por horas, e não só pelos míseros quinze
minutos que me custaram a chegar aqui.
Não fosse pela falta de bateria no mp3 e o casaco leve que
eu vestia, teria ido muito mais longe sem dúvida.
Mas enfim, eu sabia que não haveriam outros hotéis por
quilômetros, e a luz do dia já se escondia por trás da cidade, fazendo brilhar
ainda mais fortes as luzes ao pé do castelo. O hotel tinha bom preço, se não
tivesse não tenho idéia do que eu teria feito. Voltado para a casa, sentindo-me
estúpida e sem saída, provavelmente.
Depois de subir ao quarto, com o estomago a revirar como se
quisesse (ou pudesse) dar os gritos que minha garganta não dava, abri as
janelas a olhar o castelo ao longe, fumei um cigarro e pus-me a pensar na vida,
na minha vida, sem sentir qualquer pena de mim ou pelas minhas escolhas, mas
sabendo que se naquele instante alguém me pudesse ver, não deixariam de sentir
alguma comiseração, o que eu detestaria. Não conseguiriam entender que embora
confusa, perdida e talvez assustada e preocupada, de alguma forma estava tudo
bem.
Já não me faz mais qualquer sentido voltar para uma casa que
não existe mais. Já não há qualquer razão para permanecer aqui ou para ir aonde
quer que seja.
Sem casa, dinheiro ou trabalho, fica impossível ou ao menos
muito difícil escolher os próximos passos para dar. Tanto faz...
Escrevo agora enquanto tomo na velocidade de uma tartaruga,
uma sopa e uma pequena garrafa de vinho. Penso que com muita facilidade eu
poderia abandonar as malas, roupas, computador e qualquer “coisa” (tudo isso
são apenas coisas) que eu ainda tenha por hábito carregar comigo.
Se antes era uma brincadeira pensar e falar que eu atingiria
um nível de desapego assim, e mergulharia em um caminho de auto conhecimento e
solidão, hoje já não sei o quanto estou perto ou longe disso.
O que me parece poder ser mais “assustador” é o fato de eu
não sentir arrependimento. De que adiantaria, afinal? Estou comigo e estou em
mim, como poderia ser ruim?
Tenho de qualquer maneira de parar e pensar no que vou fazer
amanhã. Será difícil e exigirá de mim pelo menos algum planejamento, ao menos
alguma idéia de para onde ir. Pois definitivamente, já não é mais possível
ficar.
Qualquer possibilidade disso morreu hoje, quando decidi ter
ouvidos de ouvir e olhos de ver (a mim mesma e ao que me rodeia). A consciência
passa longe de ser uma bênção...
Ir a Lisboa parece-me sem qualquer sentido, ir para o Porto
igualmente...
Gostava de ter uma razão, por menor que fosse, para ir para
qualquer lugar que fosse. Uma razão para ir, na esperança de encontrar uma
razão qualquer para permanecer.
Eu pensei que seria aqui...
Talvez tais razões simplesmente não existam. Tenho algum medo
de começar a vagar e perder-me cada vez mais.
O vinho vai a meio, o papel começa a acabar, os pensamentos
procuram razão ou saída que sirvam de estímulo para enfrentar a manhã que a
noite logo vai trazer, e o que eu percebo na escuridão vazia da minha mente é
que já não há nada, destroços revirados, lembranças guardadas, já não há para
onde direcionar o olhar.
Ao menos o vinho é bom e a visão que tenho do Castelo,
linda.
II
Não imaginava como as coisas iam se desenrolar, ou como eu
me veria tão rapidamente em uma outra cidade, com idéias e planos na mente,
tendo já acontecido tanto (decisões?) em tão poucos dias.
É muito bom estar agora aqui com a janela para a varanda
aberta, de onde posso ouvir o vento soprar nas árvores e as ondas arrebentarem
junto a praia, um mar tão imenso entre uma encosta que mais parece de sonho,
enquanto aguardo para ver o apartamento que poderá vir a ser a minha casa pelos
próximos tempos.
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