Até que para um ser tão pequenininho, ela andou bastante,
explorou os caminhos que apareceram e ainda criou alguns outros quantos, se
aventurando como fazem os coelhinhos quando saem da toca para conhecer as
redondezas.
Teria andado mais, teria feito caminhos novos e quem sabe
teria até criado alguns, de acordo com as asas da imaginação que tinha. Para
uma coelhinha, ela até tinha uma grande imaginação.
Quando parou, não foi porque a imaginação havia acabado, ou
por causa das perninhas curtas ou cansadas. Quando ela parou, não foi porque
faltava força nas pernas traseiras para o impulso dos saltos, nem porque apareceram
cercados ou abismos. Foi o medo.
Medo que ela sabia muito bem que era o maior inimigo de
todos os coelhos, o medo que paralisa quando deveria impulsionar adiante. Mas
esse medo que a fez parar era diferente.
Ela não tinha medo dos buracos, ou dos lobos e raposas, ou
de algum outro predador qualquer. Também não tinha medo de se perder (já dizia
uma grande escritora que perder-se era também um caminho).
Esse medo era outro. Era o medo de que não compreendessem.
Não era um problema os possíveis buracos, abismos, predadores,
machucados ou perigos.
É muito mais fácil não termos medo por nós, mas o medo pelos
outros. Quando digo os outros, falo daqueles que são os importantes, os
principais, os maiores.
Para ela o importante era o caminho, não faziam mal os
tropeços ou possíveis consequências. Mas para os outros isso poderia ser
importante.
Se o buraco fosse muito fundo, ou se o pior pudesse
acontecer, estaria tudo bem para ela – mas estaria para aqueles que a tinham como
um dos mais importantes?
Quando, feito o coelho que era, ela foi procurar conhecer o
que havia para além do conhecido foi o instinto, a vontade, o desejo de ver o
que outros coelhos talvez não tivessem nunca visto ou vivido. Mas era também uma
coisa egoísta.
Ela teria histórias, teria vivido uma porção de coisas,
aventuras, experiências. Teria vivido uma vida rica, dessas que valem mesmo a
pena viver – principalmente para um coelho.
Mas quando chegasse às pessoas importantes alguma notícia
menos boa, ou mesmo ruim, iriam eles ter a mesma certeza que ela tinha de que
valia a pena, de que teria valido a pena?
Entre os saltinhos de um coelho livre e contente ela pensou
sobre isso, e teve medo, e parou. Aquele medo típico dos coelhos ao ver uma
serpente – aquele medo que paralisa.
Então ela também pensou na situação oposta... saberia ela
entender que os riscos e perigos que cercam aquelas pessoas importantes também fazem
parte da vida, e saberia ela compreender e aceitar as escolhas que levariam à
possíveis buracos e perigos para essas pessoas?
Teria ela a mesma consciência e certeza que ela esperaria
que tivessem caso fosse ela a cair em algum buraco perigoso?
Era muito mais simples e mais fácil percorrer o mundo
inteiro, aceitando seus perigos e riscos quando fosse ela mesma a arriscar.
Quando os riscos eram para aqueles que viviam no pequeno coração de coelho
dela, a história nem sempre era tão fácil ou tão simples...
Foi então que ela percebeu. Já não era mais uma coelhinha
explorando o mundo fora da toca, era uma coelha já grande, crescida, e
responsável por cada escolha, caminho, perigo ou risco que houvesse.
Aquele medo paralisante ainda estava ali, mas já não
paralisava mais – era possível olhar nos olhos da serpente e escolher ficar
parada, lutar ou fugir. Qualquer escolha valia, qualquer atitude era acertada.
Só uma coisa era importante – mais importante naquele instante que qualquer
outra:
Que as pessoas importantes soubessem que os riscos assumidos
valeram a pena, valiam a pena e continuariam a valer – eram caminhos (e não
existem caminhos errados, todos mostram paisagens e trazem as experiências que
foram procuradas). Era importante que as pessoas importantes soubessem que tudo
valera a pena. Era importante que ela também carregasse essa certeza em relação
às pessoas importantes.
O respeito absoluto pelas escolhas alheias, a aceitação
incondicional sobre a verdade que cada um carrega e escolhe lá dentro de si –
essa era a grande diferença entre a coelhinha que saiu da toca e a coelha de
agora... o aprendizado do que é (e deveria ter sido sempre) o amor.
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