6 de set. de 2012

Comboio



Quantos passageiros tiveram antes medo dessa viagem eu não sei, nem sei quem possa conhecer essa resposta. Talvez todos tenham sentido medo, uns demonstrado mais ou menos que outros, uns tenham tido mais ou menos consciência do medo que outros... não sei.

Existem algumas paragens desse comboio que me fazem lembrar do meu próprio medo, alguma inquietação que se agita lá no fundo, meus olhos que percorrem com pressa a janela um tanto embaçada a procura de perceber a paisagem que se abre lá fora, a procura de reconhecer algum lugar, algum rosto, perceber algo na paisagem da paragem que traga algum conforto. Mas logo o comboio acelera ganhando novamente os trilhos, e as paisagens passam de forma aparentemente natural, quase que automaticamente, até que nova paragem se apresente e exija a consciência do olhar e do observar.

Estando o combio em movimento, fica fácil o não pensar e o simplesmente deixar as paisagens virem e irem, deixar a imaginação solta, o olhar perdido e a sonolência do se deixar guiar tomar conta do que antes parecia inquietação ou receio. Afinal, estando o comboio em movimento, não havendo a pressa de saltar em nenhuma paragem, o que importa qual será a paragem a seguir, ou quem sabe a paragem final?

O presente do se deixar guiar e do desconhecer o que virá a seguir, funciona quase como a bênção de tudo aquilo que se ignora, que se pode ou que se consegue ignorar.

Não sei de todos aqueles que se encontram no comboio quantos reparam e sentem passar todas essas paragens, algumas mais ensolaradas que outras, umas mais quentes, outras mais frias. Umas cheias de cor e de vida, outras cinzentas, outras ainda com um ar de deserto e de secura extrema. O se permitir continuar permite que nenhum deserto dure por muito tempo, assim como nenhum oásis se faça permanente.

Não sei quantos passageiros se perguntam (assim como eu) não sobre a próxima paragem, mas sobre tudo aquilo que se desconhece da paragem em que se está. Não acredito que nosso olhar humano (mundano, tão contaminado) consiga captar tudo que se pode esconder atrás de um vidro um tanto sujo ou embaçado pelo nosso próprio olhar, pelo próprio ar que respiramos sobre a janela na expectativa de enxergar.

Não sei quantos passageiros já estiveram ou estarão nesse comboio, ou quantos passaram por esses mesmos trilhos, mas tenho a sensação de que haverá uma paragem onde todos hão de se encontrar. Cada um terá tido suas próprias impressões dos lugares pelos quais passou o comboio, as paisagens que viram. Uns gostarão mais de paragens mais tranquilas, outros talvez terão gostado mais das montanhas ou dos oceanos, das serras, dos campos ou das grandes construções e maquinarias que engenhamos durante a viagem.

A viagem, afinal, de pouco ou quem sabe até de nada importa se comparada com as impressões que vamos ao longo do caminho construindo dentro de nós e nos deixamos compartilhar. O nascer do sol ou o anoitecer tornam-se mais mágicos quando conseguimos compartilhá-los, ainda que através das palavras que usamos para descrevê-los... e as imagens que vimos, outros não terão visto, mas terão descrições para criarem na imaginação quem sabe até o nascer do sol ou anoitecer ainda mais bonito do que aquele que de fato foi visto.

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