26 de jun. de 2024

Que eu me lembre das Gaivotas


Que eu nunca me esqueça das gaivotas.

Não sou uma pessoa tão humilde como eu gostaria e detesto a arrogância em mim que se crê melhor e mais capaz, ou que se coloca sem perceber, em uma postura soberba.

Tenho defeitos à mais, sem dúvida. Mas ao menos não sou de pedir muito, ou de me colocar como vítima ou de fazer grandes demandas. Acho que não.

Mas de todas as coisas que posso pedir para mim, de forma egoísta e sincera, a que mais suplico é para que eu não me esqueça das Gaivotas.

Das coisas realmente importantes (onde estão?), dos verdadeiros atos de amor (que admiro e respeito), e de que o "longe é um lugar que não existe".

Que eu não me esqueça da capacidade de sonhar, e de voar. Que eu não me esqueça ser capaz de amar, que eu não me esqueça capaz de partilhar, que eu não me esqueça como pessoa, e como mulher.

Que sempre eu seja capaz de fechar os olhos e de seguir, e de ser gentil e de falar em amor. E sorrir.

E continuar.

24 de jun. de 2024

Piedade


Da primeira vez que vi, atirei-me. Não pensei se estava frio, se eu não ia ter roupa depois para trocar, se eu conseguiria sair depois.

Lugares impactantes assim, que me provocaram reações únicas e instantâneas, só conheci 2: Sintra e a Ponta da Piedade.

Eu nunca compreendi Sintra, só sinto. E na Ponta da Piedade... eu naufrago. Como no dia em que desci pela primeira vez os seus degraus, e nem sequer pensei que teria que os subir depois. Naufrago... a descer os seus degraus e a me deparar com a imensidão azul recordada pelas rochas douradas.

Naufrago dentro dos meus sentimentos, perco-me no frio da água salgada que gélida, tornou-se silêncio.

Silêncio...

Há palavras que consigam gritar mais alto do que o silêncio?

Eu olho, procuro, espero... naufrago.

Rudolph


Quando escrevi a primeira parte do livro, o Rudolph apareceu sem ter sido pensado antes, ele apenas "apareceu".

Apareceu quando no livro, o caminho havia se tornado demasiado incerto e indefinido, e o peso de um nada gigantesco pairava à frente. E então, "do nada", o Rudolph apareceu, para mostrar a direção.

Não pude deixar de sorrir quando triste, eu o vi hoje. Um Rudolph real, em pele, osso, pulgas e pêlos, que me olhou com os olhos de mel mais cheios de luz que eu alguma vez já vi, e ao me ver sorrir, levantou-se e veio atrás de mim. Atravessou a primeira rua ao meu lado, depois a segunda. Passou comigo pelo portão, entrou junto comigo no trabalho. E está agora aqui, deitado junto à secretária, não quis água nem comida, só se deixar estar.

Meu coração agradece esse deixar-se estar dele. Aqui, em silêncio, tranquilo. Me conforta, apazigua, mostra que talvez, quem sabe, eu esteja onde realmente devo estar, apesar do coração pesado e meio sem rumo.

As coisas mais pequenas, mais simples, são as mais difíceis e ainda assim, são e serão sempre as mais importantes.

Obrigada Rudolph!

8 de jun. de 2024

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar

 


A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar é feita de medo, daquele medo que nos custa identificar e reconhecer, que se esconde atrás dos nossos pensamentos mais íntimos e custamos a perceber.

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar é imensa, tão grande quanto o próprio tempo e espaço e ocupa sem esforço o tamanho do infinito, embora seja tão simples e delicada que confunde-se com o que chamam de rotina e de comum para olhos menos atentos.

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar compõe-se de várias partículas que dançam em perfeita sincronia – e que nunca se confunda sincronia com ausência de turbulência ou de obstáculo, porque a perfeição é feita de imperfeições síncronas.

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar foi deixada de lado, feito sombras de fantasmas que se cansaram de assombrar, e fizeram morada no silêncio de um passado já demasiado distante para lembrar.

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar foi impressa em mim na multiplicação celular que enquanto embrião, um dia eu fui e traduz-se no meu próprio ADN.

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar estava esquecida, precisei um dia atropelar. E vem, pouco a pouco, querer se fazer lembrar.

E lembro-me então… de mim. De correr no pátio da escola de lancheira na mão, de estar sentada em círculo a brincar de lenço atrás, de subir nas árvores e de caçar formigas. Do tapete de bamboo e das massinhas de modelar (plasticina) que deixavam tinta na mão. Das festas juninas e das lições de história e geografia. E salto… dos 4, 5, até os 10, 11 anos. E estremeço com os fantasmas que acordam e se assustam, porque desaprenderam a sonhar.

A matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar aparece-me à frente, sacode-me e atira-me ao ar, levanta-me os pés e não sussurra, mas fala, de forma nítida, decidida e clara com toda a certeza da voz mais definida que já se fez algum dia ouvir e me diz: "a matéria dos sonhos que eu não ouso sonhar… é feita de ti".