Era um lindo cardume, um prateado, unido e veloz conjunto de
peixes. Nadavam e rodopiavam brincando uns com os outros enquanto assim
aprendiam técnicas de defesa e fuga.
Porém, um dia nasceu um peixe diferente. Era prateado como
os outros, mas era frágil.
Extremamente frágil, não tão ágil quanto os outros, nem
tinha as nadadeiras fortes e sadias como tinham os outros. Dizem que quando
algum sentido falha, outros se desenvolvem mais para “equilibrar” o todo.
Assim foi, que o frágil peixinho aproveitou-se de sua
fragilidade para desenvolver ainda mais sua sensibilidade. Era sua arma
secreta, poderosa – enxergar e compreender os corações dos outros peixes. Essa
era sua força maior.
Mas imagine só, o que era para um peixinho assim o sentido
do cardume. Cada outro peixe era como se fosse ele próprio, talvez até mais do
que ele mesmo deveria ser. Cada dificuldade que o cardume enfrentava, era como
se fosse uma questão de honra, dever e missão para o peixinho que todos saíssem
da crise intactos, sem arranhões, machucados e mesmo sem nenhuma tristeza.
Pobre peixinho! Que assumiu pra si uma missão impossível...
a de prevenir e remediar as dores e dificuldades do mundo para seu cardume.
Quando ria, o peixinho sentia de tal forma a intensidade de
sua alegria que causava câimbras em sua boca e lagriminhas em seus olhos já
molhados pelo oceano. Mas quando sentia que algum peixe do seu cardume tinha
dificuldades ou problemas, transtornava-se de tal forma que pegava para si as
dores do outro e as sentia tão ou mais intensamente que o próprio peixe dono
daquela dor.
De alguma forma, o peixinho acreditava que o cardume vivia
sob a luz e proteção do Sol, que era como se vivessem em uma bolha dentro do
mar. Tudo era e deveria ser sempe perfeito, intocável, mágico.
Pouco a pouco o tempo foi passando, e o peixinho foi se
dando conta de que existiam perigos no fundo do mar... rochas, sombras,
predadores... Percebeu que até em seu próprio cardume haviam problemas, que nem
todos os peixes conseguiam compreender uns aos outros, que nem sempre
respeitavam-se ou protegiam-se como tentava fazer o pequeno peixe.
Começou a fazer passeios sozinho, nadava até onde conseguiam
ir as suas fracas nadadeiras.
Para alcançar distâncias cada vez maiores, impunha-se
tamanha determinação que suas nadadeiras muitas vezes doíam e sangravam, deixando
o peixinho com cicatrizes permanentes. Ele queria ser forte, menos frágil...
mas não conseguia, por mais que nadasse, retroceder o desenvolvimento da sua
sensibilidade, nem mesmo sufocá-la com as marcas das suas cicatrizes.
Em seus passeios, o peixinho encontrou-se com muitos outros
peixinhos de cardumes diferentes, até com outras espécies que nunca tinha visto
antes e que sabia, nada tinham de parecido com peixes. Descobriu que mesmo em
outros cardumes, era sempre a mesma coisa. Haviam dificuldades, dores,
tristezas... descobriu que não havia, por nenhum lugar dos que percorreu,
nenhuma bolha de proteção e nem Sol que brilhasse dentro da água, só alguns
reflexos que morriam pouco depois de brilharem na superfície do mar. O Sol não
era para aquele universo líquido.
Nadando, se aventurando e descobrindo a si mesmo e aos
outros, o peixinho deu-se conta de que por mais doloroso que fosse, sempre há
uma espécie de equilíbrio interno, de capacidades e limites. Cada ser carregava
talentos e fraquezas e não era possível ser possuidor de todos os talentos sem
nenhuma fraqueza.
A força, o talento e a fraqueza do peixinho eram uma coisa
só – o sentir. Precisava aprender a compreender melhor essa sua capacidade,
para aprender a não morrer quando sentisse a perda e a morte, para não se
torturar quando se sentisse traído, para não se abandonar quando se sentisse
abandonado. O peixinho precisava aprender...
Dentro de si, o peixinho sabia... Precisava deixar, para
suportar ser deixado. Precisava perder, para aprender a ter perdido. Não
haveria outra forma de suportar os sentimentos que haviam no seu cardume, no
seu oceano, no seu mundo e dentro dele mesmo.
Quando voltou ao seu cardume depois de mais um passeio, suas
nadadeiras estavam ainda cheias de cicatrizes, mas mais fortes. Ele mesmo
continuava frágil, mas mais preparado. E quando aconteciam as crises, doíam
nele com a mesma intensidade, mas ele havia aprendido a suportá-las.
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