Ainda lembro bem do instante que de tão dura a vida, me vi
diante de uma escolha. Alimentar ilusões ou ter a força e coragem para perceber
a realidade. Lembro-me bem da dor dessa escolha, e todos os riscos, perdas e
responsabilidades que estavam ali implícitas, a espera da minha escolha.
Naquele instante, fui capaz de escolher a realidade, e
embora muito me tenha custado, consegui erguer-me e continuar adiante, com os
olhos abertos como se abertos estivessem pela primeira vez. Muitas vezes depois
tive de me deparar com essa mesma escolha, como se fosse para “reafirmar” minha
decisão anterior. Sempre a reafirmei, sendo a cada vez, um pouco menos difícil
e doído fazê-lo.
Como consequência, acabo por cada vez ter menos tolerância
com quem não tem coragem, com quem vê e não enxerga, com quem se esconde da
vida. Para alguns, sou como uma espécie de espelho que diz o que não querem
ver, para outros, uma espécie de pessoa que machuca e diz o que não querem
ouvir, e para uns outros, alguém que tem a vida a pulsar e a vibrar em cada
célula do corpo.
De uma ou de outra forma, acabo por ter atitudes, palavras e
comportamentos “incomuns”, e iludem-se aqueles que se esquecem de que
independente disso, sou igual a qualquer um, feita da mesma matéria – as vezes
frágil, as vezes forte feito aço.
Reafirmo mais uma vez (e quantas mais forem precisas) minha
escolha pela vida real, cheia de riscos, de incertezas, de perigos – e de possibilidades.
Digo uma vez mais “não” ao que é irreal, ao que é ilusão, ao que não passa de
apego e de fuga. E a cada “não” que digo, é uma vez mais que me vejo caminhar
só – mas é também uma vez mais que me vejo caminhar mais comigo e mais em mim.
Pergunto... existe busca na vida que faça mais sentido do
que a busca – e encontro – de nós mesmos?