Tenho andado distraída, a inventar coisas para ocupar o
tempo, a cabeça, os pensamentos. A procurar (não preciso procurar muito) por
razões para me preocupar e por problemas e questões que tenho que resolver.
Aqui dentro de mim, algumas cobranças que me coloco, algumas
situações que mereciam alguma decisão (e ação) mais concretas de minha parte.
Mas, tenho andado distraída. Muito.
Não procuro por justificativas ou desculpas para as coisas,
visto que não há mesmo qualquer razão ou necessidade de justificar o que quer
que seja, assim como também não há para fazer (ou deixar de fazer) isto ou
aquilo.
Agora pouco fui ao quintal, e mais do que ver, senti o que
de facto é o real das coisas, desta minha vida de agora.
Perco demasiado tempo a pensar e a desejar coisas
que simplesmente... não são, não "existem" aqui, ao menos não neste momento.
É complicado as vezes tentar encontrar algo que “tape” o
vazio que é não ter o que um dia foi um espaço totalmente preenchido. A vida um
dia foi, realmente, um espaço totalmente preenchido. Quando estávamos todos
juntos, e partilhávamos tudo.
É muito provavelmente o tempo a passar que me deixa assim. E
de tantas e tantas formas já preenchi e tentei preencher este “vazio”...
Hoje penso que todas as decisões que tomei, e todas as
escolhas que fiz, foram, de certa forma, uma busca de preenchimento. Casar,
mudar de casa, de trabalho, de país, divorciar, namorar, romper...
tudo, de certa forma, decisões e escolhas para preencher um tempo que passou,
mudou, transformou-se, um vazio que permaneceu.
E recentemente percebo que encantam-me cada vez mais as
coisas mais simples da vida. Tenho e sinto mesmo uma admiração até esmagadora
pela simplicidade. Pessoas que encontro, vidas que observo... e admiro. E é muito mais fácil observar e reconhecer a simplicidade “nos
outros”.
Já fui bióloga. Já escrevi artigos, já cuidei de
paraplégicos, já acompanhei deficientes mentais. Já trabalhei em restaurantes,
hotéis, já geri e já “controlei” mais situações e pessoas do que teria sido
necessário para perceber o que 20 segundos agora pouco me fizeram perceber.
Sei o que me faz falta, e sei agora que simplesmente não vale a pena “buscar”.
Não são coisas que se possam “procurar” nem encontrar, ainda que se caminhem distâncias
incríveis, ou que atravesse montanhas, oceanos ou mesmo alternativas diferentes de vida.
Simplesmente, são coisas que não se podem “buscar”. São existentes ou não.
Fazem parte ou não. Acontecem ou não. Temos ou não temos.
A vida segue um ritmo próprio, sendo levada e acontecendo
conforme nossas escolhas e ações.
A verdade das coisas e dos factos é que tudo trouxe-me para
este canto, este instante, onde o que existe é mesmo pouco (ou muito)
dependendo de com o quê comparo. O “pouco” reside no silêncio, na solitude, na
calma e na paz que busquei – porque precisava encontrar para ouvir-me à mim
mesma. E o muito, está justamente na simplicidade e na paz destas mesmas coisas.
Já não escuto faz muito tempo a risada deliciosa dos meus
sobrinhos, das minhas irmãs e irmão, dos meus pais. Já faz imenso tempo que não
“perdemos” tempo fazendo coisa nenhuma a não ser companhia uns aos outros a
partilhar as “bobagens” importantes da vida.
E não é uma questão de saudades apenas. É também e
principalmente uma questão das escolhas, da vida que segue um rumo que nem
sempre é facilmente compreensível. A vida que na verdade, acabei por escolher.
Eu sei que nunca soube ou consegui explicar bem o por quê
das minhas escolhas, nem para ninguém nem para mim mesma. Gostaria mesmo muito,
muito, muito mesmo de ter uma resposta fácil e compreensível para isto... mas
não tenho... apenas sinto.
Foi como se uma espécie de certeza me guiasse para que eu de
alguma forma conquistasse uma vida que me fizesse sentido, que me trouxesse um “sossego”
interior. O sentido da vida, este não sei se um dia será uma resposta
encontrada mas cada vez também tem menos importância ter ou não ter. Mas este “sossego” interior eu de facto conquistei.
Já tive muito mais "coisas" do que tenho agora, mas o que tenho agora
dá-me paz. E eu poderia ter menos, bem menos, é verdade, e a paz seria igual ou
quem sabe, maior. A casa não precisava ser tão grande. O espaço à volta traz-me
mais “culpa” do que realização, visto que não o aproveito como deveria (e meus
brócolos ainda por cima morreram), mas gosto de saber que tenho aqui atrás de mim um espaço
onde, se eu quiser, posso sentar debaixo de uma árvore ou sem querer, como
aconteceu dias atrás, ver-me avisada de que tinha imensos aspargos selvagens
prontos para consumo (só me resta saber como prepará-los). Gosto das
descobertas que se tornaram possíveis - e de não sentir medo ou insegurança.
Gosto de ter a porta da frente sempre aberta, e de vez
em quando sair para ver os cães a brincar ou deitados muito pacíficos à sombra
do pinheiro da frente. Ouvir os passarinhos.
Gosto de ter meu carro parado ao portão, pronto para
levar-me onde quer que eu decida ou queira ir.
Gosto do que tenho, do que conquistei, muito embora eu mesma
as vezes pense que não tenho absolutamente nada – mas à bem da verdade,
tenho imensamente mais do que um dia pensei ter. E principalmente, vendo bem...
conquistei algo que nunca tinha me julgado ser capaz de conquistar... estar bem
comigo mesma mesmo sem ninguém por perto e com quase nada. Afinal de contas... tenho a todos em
mim, inclusive a mim mesma.
Agora resta-me é saber o que fazer... com tanto.